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Mulheres enfrentam inúmeros desafios no serviço público

Sindiserf-RS conversou com duas servidoras sobre a realidade das mulheres que integram a categoria


Mulheres enfrentam inúmeros desafios no serviço público
Foto: Pixabay

Sindiserf-RS

Joana França Stockmeyer foi a primeira servidora pública do país. Ela trabalhou na Imprensa Nacional, de 1892 até sua aposentadoria, em 1944. Apenas em 1934, a Assembleia Constituinte garantiu o princípio da igualdade entre os sexos, a regulamentação do trabalho feminino, a equiparação salarial e o direito ao voto.

De lá para cá, muita coisa mudou. No serviço público, as mulheres já representam 55% do funcionalismo nas três esferas (federal, estadual e municipal), enquanto na iniciativa privada são 50%, de acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse avanço, no entanto, não impede que as servidoras, na prática, padeçam da mesma situação que as trabalhadoras privadas no que diz respeito a diferença de gênero: continuam com remuneração inferior a dos homens e em cargos menos relevantes, embora muitas vezes tenham um grau superior de escolarização.

Em setembro do ano passado, o Instituto de Pesquisa Econômica (Ipea), após analisar três décadas de evolução do funcionalismo público brasileiro, divulgou que as mulheres recebem cerca de 24% a menos que os homens. Além disso, dados de um estudo da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) mostram que elas ainda são minoria na elite do serviço público. No Poder Executivo, representam 46% do total. No Judiciário, 9%. E no Legislativo, 2%, apenas.

Para marcar o mês que celebra o Dia Internacional das Mulheres, o Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos Federais do Rio Grande do Sul conversou com duas servidoras sobre os desafios das mulheres que integram a categoria, os impactos da política de desmonte do serviço público a importância do 8 de março para trazer à luz as pautas das mulheres trabalhadoras.

Servidoras do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), Zaida Haack Bastos e Aurora Cristina Barbosa Silvano Martins ingressam no serviço público em 1978 e 1996 no antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). Já aposentada, Zaida atuou no Rio de Janeiro, em Brasília e Porto Alegre. Para ela, “é de vital importância o acompanhamento do Sindicato junto aos servidores públicos, os assistindo em suas demandas trabalhistas junto às chefias e ao empregador. O Sindicato unifica os interesses da classe com o objetivo de fortalecer a atuação do servidor em prol da sociedade”.

Requisitada pela Advocacia-Geral da União (AGU), onde está em exercício desde 2019, Aurora recorda o processo de extinção do DNER e a atuação do Sindiserf/RS durante a transição. “Foi de suma importância por ter dado amplo apoio as nossas solicitações por admissão de mais servidores por meio de concurso público e outras reivindicações. O Sindicato é a representatividade dos servidores federais nas mesas de negociações por melhores condições de trabalho, ingresso de pessoal para o serviço público por meio de concurso público e demais conquistas”.

Confira a entrevista:

Qual o maior desafio que as mulheres enfrentam para ingressar no serviço público? E após esse ingresso, como é a realidade de trabalho da maioria das mulheres?

Zaida – Entendo que na gestão atual, a grande dificuldade reside no elevado número de candidatos por vaga. Isto exige uma grande quantidade de horas de estudo e preparações específicas que, principalmente no caso das mulheres, são somadas a outras atribuições paralelas como os cuidados domésticos e com a família. Em um país com uma desigualdade de gênero tão grande, sabemos que essas atribuições acabam recaindo sobre as mulheres, as quais têm reduzido o tempo de estudo necessário para aprovação em concursos públicos. Neste sentido, este é o primeiro filtro que se impõe às suas pretensões à carreira pública.

Ao ingressar no serviço público, outras barreiras se impõem. Em um ambiente extremamente competitivo e machista, as mulheres têm que provar o tempo inteiro serem tão competentes quanto homens cuja qualificação pode ser muito inferior à delas. Neste sentido, na minha trajetória, observei a maioria das gratificações de chefia serem dadas a homens, ainda que houvesse mulheres igualmente qualificadas para tanto.  Ademais, assim como observamos em outros espaços da sociedade, muitas mulheres dentro do serviço público têm que lidar com diversos tipos de assédio, como o psicológico e o sexual, no dia-a-dia do trabalho.

Aurora – Tanto na área pública quanto na iniciativa privada, o desenvolvimento das tarefas até a familiarização dos processos e ambientação são novidades, tornando-se um período desafiador.

Acredito que os desafios nos tornam mais fortes, embora não se perceba, pois eles são o combustível para o nosso amadurecimento e aprendizagem. E após, ao ingressar no serviço público, a realidade das mulheres segue sendo um novo aprendizado a cada dia para a melhoria dos resultados.

Como as reformas (trabalhista, previdenciária e administrativa) afetarão a vida das mulheres? Não apenas das servidoras, mas das mulheres que dependem de um serviço público de qualidade.

Zaida – As reformas estão centradas em promover o desmonte da legislação trabalhista, de caráter protetivo, e em precarizar as condições de trabalho e aposentadoria para todos, ainda que saibamos que, para quem já enfrenta maiores dificuldades no mundo do trabalho, isso é devastador. Para o trabalhador e a população em geral, a precarização do serviço público implica na piora ou na total ausência de serviços basilares como os de educação, saúde, segurança, saneamento básico e direito à moradia, os quais são dever do Estado. Para as mulheres, que já recebem menos do que os homens, isso implica em não utilizar ou ter que pagar por serviços que deveriam ser gratuitos, fato que implica na piora da sua condição de vida e de seus dependentes.

Aurora – Por ter dupla jornada de trabalho, desenvolvendo suas atividades laborais, rotinas familiares em conjunto com a aquisição de conhecimento, a mulher está vendo a aposentadoria ser adiada, embora muitas já tenham contribuído o suficiente para tal.

Há aquela ideia de que os servidores públicos são “marajás”, ganham muito e pouco trabalham. Como esse discurso que coloca a opinião pública contra a categoria afeta as servidoras mulheres?

Zaida Há a ideia equivocada de que servidores públicos ganham um salário exorbitante.  Generalizando, maldosamente, a realidade desse profissional. Dentro da administração pública, existem várias categorias dentre as quais apenas as categorias de carreira de Estado, são melhor remuneradas. Em relação às demais, os vencimentos, por vezes, estão abaixo do mercado. Há pessoas que possuem 30, 40 anos de serviço que ganham pouco mais do que 2 salários mínimos.

Em relação ao tempo de trabalho, obviamente há pessoas que pouco trabalham, seja qual for o serviço, mas os servidores públicos têm que manter uma rotina de trabalho de 40 horas semanais, marcadas em relógio-ponto, sendo sua produtividade alvo de avaliação regular. O desconhecimento dessa rotina leva as pessoas desinformadas e outras interessadas em desmoralizar a atividade pública a disseminar mentiras.

Muitos servidores públicos trabalham demasiadamente, extrapolam as 08 horas de labuta diária. Não são poucos os trabalhadores que dão o seu conhecimento intelectual no desenvolvimento das suas atividades sem a respectiva contrapartida financeira. Muitos trabalhadores, por amor à atividade, trabalham doentes para que a população seja atendida, é uma questão de responsabilidade e índole.

A desmoralização do serviço público é nociva para todos os servidores, mas para as servidoras acarreta em uma sobrecarga emocional visto que já são invisibilizadas no seu próprio ambiente de trabalho e estão sujeitas a violência de gênero dentro e fora do órgão público.

Aurora – Vejo que esta fala os servidores públicos são “marajás”, ganham muito e pouco trabalham não condiz com a realidade, pois o serviço público é conduzido por pessoas que são comprometidas com o progresso do país nas mais diversas áreas.  O que sim é concreto e visível.

Qual a importância do 8 de março para trazer à luz a realidade das mulheres?

Zaida – A data é relevante porque implica na conscientização e promoção de discussões acerca do papel das mulheres na sociedade. É a partir deste marco que pessoas que desconheciam a pauta tomam contato com o assunto pela primeira vez ou aprofundam seu conhecimento pela causa. É dia de reflexão acerca das lutas passadas e das muitas outras que as mulheres ainda terão que travar na busca pela equidade dos direitos de gênero, em especial no ambiente de trabalho.

Aurora – O dia 8 de março é a data que mantém os direitos adquiridos em todas as áreas pelas mulheres ao longo da história, mulheres corajosas que vieram antes de nós e nos afirmam que sim, nós podemos, pois comprovadamente, como disse a Kamala Harris, vice-presidente dos Estados Unidos: “É preciso sacrifício. Mas há alegria nisso. E há progresso. Porque nós, o povo, temos o poder de construir um futuro melhor.”






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