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Fascismo é um conceito aplicável atualmente no Brasil, diz pesquisadora

Postura radical do governo federal não se resume à declaração do ex-Secretário Especial de Cultura, Roberto Alvim. Frequentes afirmações de ódio de Bolsonaro a comunistas e perseguição a movimentos sindicais e sociais coaduna com discurso nazista


Fascismo é um conceito aplicável atualmente no Brasil, diz pesquisadora
Benito Mussolini e Adolf Hitler, 1938 (Foto: Domínio Público)

Condsef/Fenadsef

O discuso do ex-Secretário Especial da Cultura, Roberto Alvim, causou indignação popular, especialmente entre judeus radicados no Brasil, entretanto, a política de ultradireita que incita a violência e o silenciamento da oposição é a base do governo de Jair Bolsonaro. "Muita gente tem pudor de utilizar o conceito de fascismo, mas é um conceito completamente aplicável nos tempos de hoje, no Brasil, porque fascismo basicamente significa o silenciamento do Outro, tratar o Outro como inimigo que tem que ser aniquilado", declarou a socióloga e pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Esther Solano, à TV Boitempo

Apesar da análise ter sido feita no momento da eleição do atual presidente, o diagnóstico se comprova a cada dia, com a declaração nazista de Alvim, a insistência do ministro da Educação em elencar o comunismo nas universidades como algo a ser combatido, a perseguição de Bolsonaro a sindicatos e movimentos sociais e, mais recentemente, a denúncia do Ministério Público contra o jornalista Glenn Greenwald. Solano é organizadora do livro "O ódio como política", lançado em 2018.

Para a pesquisadora, o fascismo é a realidade do País. "É o que estamos vivendo hoje, uma política que é intolerante, uma política do ódio, que busca silenciar física ou simbolicamente o Outro. O termo se aplica perfeitamente ao Brasil hoje", afirmou. A professora da Unifesp acrescentou ainda que não se deve ter medo de nomear o fascismo porque ele só pode ser combatido com o reconhecimento de sua existência.

Sindicalismo ameaçado

Em 2019, foram apresentados ao Congresso Nacional oito projetos que interferem na organização sindical, incluindo medidas restritivas de financiamento das entidades. Há um ano, o presidente editou um Medida Provisória que sustava o desconto em folha da contribuição voluntária de sindicalizados filiados, atropelando direitos constitucionais e convenções internacionais que protegem a liberdade de organização. Em junho passado, Bolsonaro demitiu o então chefe dos Correios, general Juarez Cunha, por "postura sindicalista".

A perseguição a entidades sindicais também foi central no governo nazista alemão. No livro autobiográfico de Adolf Hitler, de 1925, intitulado "Minha Luta", o autor escreve que "os 'sindicatos independentes', como uma nuvem tempestuosa, obscureciam o horizonte político, ameaçando também a existência dos indivíduos. Essas
organizações se transformaram no mais temível instrumento de terror contra a segurança e independência da economia nacional, a solidez do Estado e a liberdade
dos indivíduos."

Hitler ainda defendeu que foram os sindicatos, sobretudo, que "transformaram a concepção da democracia em uma frase asquerosa e ridícula", afirmando que as entidades ameaçavam de morte aqueles que não se unissem a elas. A postura se assemelha ao radicalismo dos discursos e atitudes de Jair Bolsonaro.

Para o Secretário de Comunicação da Condsef/Fenadsef, Luis Cláudio de Santana, as declarações do presidente são alarmantes. "Bolsonaro ainda governa ideologicamente. Ele, como presidente, não pode ter essa atitude. Ele pode até adotar essa postura para se eleger, mas depois de assumir a cadeira de chefe da República, ele é o governante de todos. É muito preocupante que ele ainda mantenha esse radicalismo. Estamos no segundo ano de governo. Ele ainda não está usando a força, mas é uma linha tênue", denuncia.

O Secretário também critica os constantes ataques de Bolsonaro à imprensa e avalia como antidemocrática a tentativa de cerceamento da opinião contrária aos seus propósitos. "As frequentes ameaças de cortes de verbas para jornais que fazem denúncias e os ataques verbais a jornalistas depõem negativamente contra seu governo. Os veículos de comunicação têm um papel essencial para a manutenção da transparência do governo, o que mantém a base preponderante da democracia", afirma Santana.

Desafio

Durante o Seminário Internacional "Democracia em colapso?", organizado pela Boitempo e pelo Sesc São Paulo, em dezembro passado, o sociólogo e professor da Universidade de Campinas (Unicamp) Ricardo Antunes, analisou que os sindicatos devem se engajar para compreender a nova morfologia do trabalho e quem eles representam atualmente. Fazendo uma retrospectiva histórica, o pesquisador recordou que, do século XIX para o XX, o sindicalismo quase herdeiro de uma sociedade artesanal teve que assimilar a sociedade da grande indústria, do automóvel, e teve que passar por um grande processo de mutação para sobreviver.

"O capitalismo do século XX é muito diferente do capitalismo do século XXI. A indústria 4.0, por exemplo, se levada adiante, vai trazer mais mutações", declarou. Para Antunes, os sindicatos devem entender essa conjuntura. Segundo ele, no passado era mais fácil, pois a grande maioria dos trabalhadores da indústria era masculina, formada por trabalhadores regulamentados, mas tudo se alterou, com inserção da diversidade no mercado de trabalho e com cargos terceirizados.

"Nos anos 1970, o novo sindicalismo que gerou a CUT inspirou os movimentos sociais da época. Hoje é fundamental que os sindicatos olhem para os movimentos sociais. Se eles [os sindicatos] perderem o seu enlaçamento, suas imbricações, suas interconexões com a vida cotidiana, eles desaparecem. Os movimentos sociais têm força porque tocam questões vitais do cotidiano", analisou. 

De acordo com o sociólogo, o desafio é repensar e redescobrir um outro modo de vida. "Basta de consertar o que é inconsertável. Um outro modo de vida é o imperativo do século XXI. Hoje é fundamental que os sindicatos olhem para o movimento social", avaliou.

Para Santana, a população não percebe o movimento sindical atual como representante dos interesses da classe trabalhadora. "Na França, o movimento sindical impediu a inclusão da idade mínima na reforma da Previdência. No Brasil, as chamadas dos sindicatos contra a reforma não surtiu qualquer efeito e a PEC 6 passou sem resistência popular. É necessário uma nova forma de atuação dos sindicatos, com diálogo amplo, inclusivo e representativo" finalizou.






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