Restaurantes que atendem servidores públicos oferecem bandejão com preços que variam de R$ 7,97 a R$ 9,88 o quilo. Licitações e peso das compras no atacado jogam valores para baixo e beneficiam clientes
Luciano Pires
Pressionadas por licitações cada vez mais exigentes, as empresas que exploram o varejo de alimentação na Esplanada dos Ministérios trabalham com margens de lucro tão reduzidas que dificilmente sobreviveriam fora dali. Vender barato é pré-requisito nesse tipo de negócio e um mandamento seguido à risca pelos 10 restaurantes instalados no centro administrativo de Brasília. Na segunda reportagem da série sobre os self-services que atendem o funcionalismo federal, o Correio mostra como é possível manter-se de pé comercializando comida a menos de R$ 10 o quilo.
A regra número um é adquirir matérias-primas em quantidade e, sempre que possível, pagar à vista. Os estabelecimentos têm fornecedores fixos, compram sempre e, por serem considerados parceiros vips, desfrutam de vantagens competitivas em relação aos self-services comuns. “Tenho um poder de barganha muito grande porque compro bastante”, diz Lindolfo Neto, sócio do restaurante Manancial, grupo que administra cinco restaurantes na Esplanada.
Sem as pechinchas semanais no atacado e uma negociação bemfeita, admitem os empresários, ficaria praticamente impossível atuar. Ainda que o movimento de clientes seja constante na maior parte do ano — o que assegura um fluxo de caixa estável e confiável —, oferecer comida a peso por R$ 7,97, como é no Ministério das Comunicações/Transporte, a R$ 8,18, no caso do Itamaraty, ou mesmo a R$ 9,88, como ocorre no Ministério das Cidades/Desenvolvimento Agrário/Esporte, não é tarefa simples. Os contadores que o digam. “No período de férias, é terrível. O movimento cai cerca de 45% e a receita cai junto”, completa Neto.
As preocupações do empreendedor, no entanto, vão muito além das planilhas de custo e do equilíbrio das contas. As prestadoras de serviço têm uma série de obrigações invisíveis que precisam ser respeitadas antes, durante e depois de vencida a licitação. Dos itens do cardápio até o perfil das instalações, tudo é alvo de interesse para o contratante. O termo de acordo firmado entre as partes estabelece, inclusive, as normas mínimas de qualidade, determina a regularidade do serviço e prevê como e quando as renegociações (aditivos) acontecem. De um jeito ou de outro, o modelo tenta preservar os interesses tanto de quem explora a atividade, como de quem a contrata.
Supervisão - Alguns ministérios monitoram de maneira indireta o dia a dia dos self-services, delegando funções, cobrando resultados e respostas do gestor do contrato (servidor encarregado de zelar pelas regras). Outros, porém, personalizam os cuidados. O Ministério da Educação, por exemplo, chega ao extremo de fazer a coleta de amostras dos alimentos servidos pelo restaurante ou guardados sob refrigeração. “Também é conferida diariamente a medição da temperatura dos balcões térmicos e dos pratos servidos”, informou o MEC por meio de nota. Há ainda uma nutricionista que acompanha e orienta a higienização dos itens e o treinamento dos funcionários.
Já no Ministério da Agricultura, profissionais provam a comida, guardam amostras e atestam a qualidade dos produtos — trabalho que também é feito de forma paralela pelos restaurantes. Os resultados são tabulados e ficam disponíveis ao público, ao órgão contratante e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em caso de descumprimento do que estabelece o contrato, o órgão pode aplicar multas, suspender, substituir ou mesmo solicitar o cancelamento do serviço.
--------------------------------------------------------------------------------
Leia na próxima segunda-feira: Restaurantes no Legislativo e Judiciário, e as variações dos tíquetes-alimentação dos Três Poderes
--------------------------------------------------------------------------------
Mais sabor nos pratos
Desde o ano passado, por causa do aumento do nível de insatisfação dos servidores em relação a alguns restaurantes, órgãos públicos começaram a realizar pesquisas de opinião. Pioneiro, o Ministério da Agricultura, em 2008, fez dois levantamentos com os consumidores. Segundo o estudo, 80% dos entrevistados se mostraram ‘muito satisfeitos’ com as refeições.
Medir a qualidade da comida a partir dos gostos e impressões das pessoas faz parte do plano das empresas e dos próprios ministérios — além de uma tendência cada vez mais forte nesse mercado.
A “investigação” contribui para que erros do passado não se repitam e acaba livrando a Esplanada de colecionar novas histórias de fracassos.
O restaurante do Ministério da Fazenda está fechado desde fevereiro. A empresa vencedora da licitação não conseguiu cumprir o contrato, os clientes passaram a reclamar. O espaço antes ocupado por mesas, cozinha e balcões passa por reforma. A intenção do órgão é abrir uma nova concorrência para que outro restaurante explore o serviço.
No Ministério da Justiça, a situação é semelhante. O restaurante está fechado desde julho de 2008. O contrato venceu e não foi renovado. Motivo: de acordo com o ministério, “devido ao grande volume de reclamações dos usuários sobre a qualidade da comida”. O trauma foi tão grande que o órgão decidiu dar uma guinada de profissionalismo.
Para melhorar a qualidade, o Ministério da Justiça fechou uma parceria com o Senac. Esse acordo prevê a instalação de um restaurante-escola, “com alto padrão de qualidade e cardápio variado”, conforme o ministério. “A previsão é que seja inaugurado na segunda semana de julho. Para abrigar o novo estabelecimento, a área do 2º subsolo do Anexo II foi reformada e a cozinha, reestruturada. Não será feita licitação porque optou-se por uma parceria com entidade pública sem fins lucrativos, seguindo os moldes dos contratos firmados entre o Senac e a Câmara dos Deputados, que já conta com uma lanchonete e um pequeno restaurante no seu Centro de Treinamento”, informou o ministério. (LP)
--------------------------------------------------------------------------------
Prós e contras
Fotos: Valério Ayres/CB/D.A Press
Usuários dos estabelecimentos comentam os serviços. A qualidade e o preços são os itens mais citados e não há unanimidade na avaliação das condições dos pratos no dia a dia.
Oliomar Mendes de Sousa,
49 anos, servidor público, morador de Samambaia Sul
“A comida é excelente. Na hora do almoço, no dia a dia, é muito difícil sair do trabalho, pegar o carro, enfrentar o trânsito e depois voltar. Depois do meio-dia, não tem mais vaga nos estacionamentos da Esplanada dos Ministérios”
--------------------------------------------------------------------------------
Ronya Campos,
32 anos, servidora pública, moradora do Gama
“Não gosto das refeições. A qualidade do self- service deixa a desejar, os donos deveriam investir mais. Já comi comida fria”
--------------------------------------------------------------------------------
Mariana Carolino,
23 anos, servidora pública, moradora do Guará
“A comida é ruim. O preço até poderia até ser um pouquinho mais caro para ter mais variedade e qualidade nas refeições”
--------------------------------------------------------------------------------
Erina Carvalho,
57 anos, autônoma, moradora do Recanto das Emas
“O almoço é barato e muito gostoso. Como bem por R$ 2. Onde vou encontrar um preço desses? Já comi em vários ministérios e acho que está tudo muito bom”
Publicado em 01/06/2009