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Discurso de Bolsonaro na ONU contraria indígenas e dados oficiais

Presidente faz fala controversa sobre Amazônia, em que acusa indígenas de incêndios, considera a espontaneidade das queimadas e reafirma compromisso com a preservação do Meio Ambiente. Indígenas divulgam carta de repúdio


Discurso de Bolsonaro na ONU contraria indígenas e dados oficiais
Foto: Reuters/Carlo Allegri

Condsef/Fenadsef

Cumprindo a tradição criada na década de 1940, o Brasil foi o primeiro país a discursar na Assembleia Geral das Nações Unidas, cuja cerimônia de abertura se deu nesta terça-feira, 24. O ponto de maior destaque no discurso do presidente Jair Bolsonaro foi a Amazônia, que ganhou manchetes de jornais internacionais nas últimas semanas pelo aumento expressivo de focos de incêndio e de desmatamento. De acordo com Bolsonaro, as matérias são sensacionalistas. "A Amazônia permanece praticamente intocada, prova de que o Brasil preserva o Meio Ambiente", afirmou.

Com argumento de proteção da soberania nacional - que não é considerado quando o assunto é privatização de empresas estatais - Bolsonaro mais uma vez reforçou que o Brasil não vai demarcar territórios indígenas porque, para ele, as áreas atualmente protegidas são excessivas, que impedem a prosperidade do agronegócio e da mineração. Para simular legitimidade, a delegação brasileira levou para Nova York a indígena Ysana Kalapalo, não reconhecida como representante indígena pelas lideranças nacionais. 

De forma preocupante, caminhando para o discurso econômico de vendas e "parcerias internacionais", Bolsonaro ressaltou que as reservas indígenas possuem ouro, diamante e nióbio em suas terras, e declarou que uma nova política indigenista que considere o empreendedorismo no Brasil é necessária. 

Pelo Facebook, Eloy Terena, assessor jurídico da Associação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib), criticou o discurso. "Presidente Bolsonaro discursando na cúpula da ONU em Nova Iorque citando dados ultrapassados referentes aos povos indígenas! Afirmou que no Brasil temos 220 povos, quando na verdade são mais de 305! Citou 77 povos isolados, quando o último levantamento aponta para 114 povos em isolamento voluntário; usou o termo 'tribo', uma terminologia totalmente ultrapassada na ciência! Leu um suposta carta de apoio a Ysana Kalapalo, subscrita por lideranças indígenas inominadas e de territórios desconhecidos! Criticou o colonialismo, mas atualmente no Brasil é o símbolo máximo de velhas práticas coloniais - tem até 'índia' de estimação."

Agropecuária

Bolsonaro utilizou dados recentemente divulgados pela Nasa, que considera que apenas 8% do território brasileiro é destinado ao agronegócio e que 61% são áreas preservadas. Entretanto, estes números já foram contestados pelo Observatório do Clima. De acordo com a organização, o dado é exemplo de uma metodologia estadunidense que se refere somente a cultivos agrícolas. Incluindo as pastagens, o Brasil chegaria a 33% de seu território ocupado. 

Apesar das áreas de preservação, o desmatamento cresce exponencialmente. De acordo com o Observatório, em 16 anos, perdemos o equivalente a um Estado de São Paulo em vegetação nativa.

Repúdio

Em carta, dezesseis povos do Território Indígena do Xingu emitiram alerta sobre a delegação do Brasil na ONU e criticaram a participação de Ysana Kalapalo. "O governo brasileiro não se contentando com os ataques aos povos indígenas do Brasil, agora quer legitimar sua política anti-indígena usando uma figura indígena simpatizante de suas ideologias radicais com a intenção de convencer a comunidade internacional de sua política colonialista e etnocida. Não aceitamos e nunca aceitaremos que o governo brasileiro indique por conta própria nossa representação indígena sem nos consultar através de nossas organizações e lideranças reconhecidos e respaldados por nós", declara o texto.

No início de setembro, audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal teve como tema políticas ambientais e povos indígenas, em que participaram lideranças indígenas e representantes da Ascema Nacional e da Condsef/Fenadsef. Na ocasião foi ressaltada, com dados, a gravidade da crise ambiental, que diferentemente de anos anteriores, é caracterizada pelo desmonte e pela omissão dos atuais gestores, que não têm, em geral, experiência e capacitação para ocuparem os cargos.

Para o analista de Políticas Públicas da ONG WWF, Bruno Taitson, é evidente que a crise na Amazônia é consequência do desmonte dos setores de fiscalização e de proteção ambiental do governo. "20% do desmatamento foi registrado em unidades de conservação ambiental e em territórios indígenas, que o Estado tem o dever constitucional de proteger. Ao mesmo tempo em que existe este número crescente, as notificações diminuíram 30%. Como é que as multas diminuem nesse contexto? Não precisa ser um gênio para entender que faz parte de um desmantelamento da legislação e dos direitos dos povos indígenas", comentou Taitson.






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