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Convidado especial para recepção dos alunos da Universidade de Brasília neste ano letivo de 2020, o líder indígena Ailton Krenak ressaltou o papel fundamental das instituições de ensino públicas, que atualmente vivem momento de desvalorização por parte do governo federal. Segundo o pensador, as universidades devem ser valorizadas como locais de produção de ciência empenhados na construção da paz social. "Paz não é um orvalho da manhã, mas resultado de resistência e luta", afirmou na manhã desta terça-feira, no Centro Comunitário Athos Bulcão. "Os estudantes têm o dever de olhar criticamente o mundo", destacou.
O líder Krenak apontou a necessidade das universidades serem públicas e, como o próprio nome já diz, universais, abertas a todos. "Atualmente querem conduzir a coisa pública como se fosse privada. Essa mentalidade é escravocrata e colonialista, que reverbera até hoje porque nossa sociedade é desigual", criticou, condenando o pensamento meritocrático do governo. Para ele, não é justo que tenha acesso à educação apenas as pessoas que possam pagar mensalidades.
Ailton Krenak é um dos principais nomes vivos da resistência indígena brasileira. Seu famoso discurso durante a Assembleia Constituinte de 1987, no Congresso Nacional, garantiu a consolidação dos direitos dos povos originários na Carta Magna. Sua fala na ocasião, diante dos parlamentares, foi um protesto contra o retrocesso na luta pelos direitos indígenas. Hoje, no governo de Jair Bolsonaro, a preservação de direitos conquistados é preocupante.
Com desmontes na Funai e no Ibama, que executam políticas de proteção ambiental e de povos originários, indígenas de todo o Brasil denunciam violências sofridas aos organismos internacionais. Mais recentemente, a Associação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib), bem como Indigenistas Associados (INA) - estes, servidores efetivos da Funai - manifestaram repúdio ao Projeto de Lei nº 191/20, encaminhado pelo presidente Bolsonaro, que tem por objetivo regulamentar a pesquisa e exploração de recursos minerais, o garimpo, a extração de hidrocarbonetos, bem como o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas.
A garantia da diversidade nas universidades, para Krenak, é uma das armas potentes na reversão do cenário ameaçador. "Temos que criar espaços de troca e de convivência, desenvolver mais do que apenas a tolerância entre os povos. Isso é muito cristão, mas é pouco. Temos que experimentar a diversidade, experienciar a visão uns dos outros para expandir esse lugar", declarou. "Só com muita paz e ciência vamos atravessar esse deserto a nossa frente, que surgiu na nossa história", acrescentou.
A Greve Geral de 18 de março, convocada por centrais sindicais em defesa dos serviços públicos, levantará a voz contra os desmontes da educação, das políticas ambientais e políticas indígenas. Os servidores efetivos dos órgãos específicos, responsáveis por pesquisa e proteção social, estão engajados nesta luta. Capes e CNPq, por exemplo, ameaçados de extinção, são órgãos que garantem a permanência de estudantes indígenas, quilombolas e ribeirinhos nas universidades. Sem essa atuação, o conhecimento volta a ser calcado pelo viés colonialista.
No livro lançado em 2019, intitulado "Ideias para adiar o fim do mundo", Ailton Krenak também chamou atenção para a proteção das instituições de conhecimento. "Há muito tempo não existe alguém que pense com a liberdade do que aprendemos a chamar de cientista. Acabaram os cientistas", escreveu. Solidários à luta dos povos indígenas, o próximo 18 de março promete ser potente.