Sintsep-GO
No final da tarde da última segunda feira, dia 01 de abril, as ameaças de chuva cederam lugar ao sol que se explodia em cores quentes rasgando o céu de Goiânia, a capital de Goiás. E um cortejo fúnebre, com 15 enormes cruzes eram carregadas por pessoas vestidas de branco, ao som das “Bachianas”, de Villa Lobos, e acompanhadas por centenas de outras vestidas quase todas de preto. Sairam da porta da Catedral Metropolitana, rumo ao Monumento aos Mortos e Desaparecidos pela Ditadura Militar em Goiás, chamando a atenção, emocionando os transeuntes e fazendo parar trânsito do centro da cidade.
À frente desse cortejo uma grande faixa carregada por uma dúzia de homens e mulheres – quase todos já de cabeças brancas e andar difícil – trazia o mote central do ato: “DITADURA NUNCA MAIS! DEMOCRACIA SIM!” Eram todos estes sobreviventes das prisões, dos assassinatos e das torturas, praticados nos 21 anos de terrorismo institucionalizado no Brasil pela Ditadura Militar, iniciada há exatos 55 anos dessa data, a partir de um Golpe Militar. E as 15 cruzes, acompanhadas por outras pessoas carregando fotos e flores, vinham logo atrás de outra faixa que se auto explicava: “MORTOS(A) E DESAPARECIDOS(A) POLÍTICOS PELA DITADURA MILITAR EM GOIÁS”.
E os nomes dos mortos e desaparecidos pela Ditadura eram escancarados à população de Goiânia, em cartazes e na voz dos coordenadores da marcha:
1. Arno Preis
2. Cassemiro Luís de Freitas
3. Divino Ferreira de Souza
4. Durvalino de Souza
5. Honestino Monteiro Guimarães
6. Ismael Silva de Jesus
7. James Allen Luz
8. Jeová de Assis
9. José Porfírio de Souza
10. Márcio Beck Machado
11. Marcos Antônio Batista
12. Maria Augusta Thomaz
13. Ornalino Cândido
14. Paulo de Tarso Celestino
15. Rui Vieira Bebert
Contrapondo-se às determinações do atual presidente do Brasil e ex-militar Jair Bolsonaro, que determinou a todas as unidades das Forças Armadas do país que comemorassem o aniversário do Golpe Militar de 1964, cerca de 30 entidades políticas e sociais, puxados pelo Sindicato dos Jornalistas de Goiás, por meio de sua Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Imprensa, da CUT-Goiás e da Associação dos Anistiados de Goiás, organizaram um ato unificado de repúdio ao Golpe Civil Militar ocorrido há 55 anos no Brasil e que deu origem a uma Ditadura Militar que durou 21 anos.
Nesse período, que até hoje é quase desconhecido do povo brasileiro, a imprensa era totalmente censurada e não noticiava nada que os militares não permitissem. Assim, depois de tomar o poder, dizendo que precisavam salvar o Brasil do comunismo, eles prenderam, torturaram, mataram, decaptaram cabeças, furaram olhos, afundaram crânios, quebraram braços, pernas e costelas; violentaram sexualmente as mulheres colocando até ratos e baratas vivas em suas vaginas. Até mesmo crianças foram torturadas na frente dos pais, para ampliar o terror que institucionalizaram como forma de governo. Cerca de 20 mil brasileiros (as) foram submetidos às mais cruéis torturas e 430 pessoas foram reconhecidas como mortas pela Ditadura.
Além disso, a Ditadura Militar que o presidente Bolsonaro comemora, somente no primeiro ano, cassou o mandato de todos os parlamentares opositores – seis senadores, 110 deputados federais e 161 estaduais; governadores (de Goiás foi expulso do Palácio das Esmeraldas o governador eleito Mauro Borges); prefeitos e vereadores de todo o país, incluindo os prefeitos de Goiânia, de Anápolis e de Caldas Novas, classificados pelos militares como área de segurança nacional.
Na mesma manhã do Golpe Civil Militar (civil porque muitas entidades empresariais e autoridades políticas da época o apoiaram), foi destruído todo o prédio do jornal “Última Hora”, o único jornal que não tinha se vendido aos golpistas. E, nos próximos dias, incendiaram também a sede nacional da UNE no Rio de Janeiro e depois nos anos seguintes fecharam todas as entidades representativas dos estudantes e derrubaram os seus prédios, como aconteceu aqui em Goiânia, com a sede do DCE – Diretório Central dos Estudantes -, que ficava numa viela entre a Avenida Anhanguera e a Rua 3, no centro da cidade.
A Ditadura Militar expulsou do Brasil milhares de músicos, artistas, compositores, cientistas, intelectuais e pesquisadores. Invadiram universidades; enganaram, ludibriaram e roubaram riquezas e até alianças de cidadãos e cidadãs enganadas e manipuladas pela propaganda criminosa do seu programa “Ouro para o Brasil”, que conclamava o povo brasileiro a doar suas jóias e suas poupanças para “salvar o Brasil”. E, até hoje, os militares jamais explicaram para onde levaram a gigantesca fortuna arrecadada, considerando que, somente na primeira semana dessa campanha eles arrebanharam 400 quilos de ouro e meio bilhão de cruzeiros.
Ao passar pela frente da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, o cortejo fez uma parada enquanto uma mulher lia um texto que lembrava um dos 15 mortos e desaparecidos pela Ditadura Militar em Goiás – o ex-deputado José Porfírio. A professora Maria do Socorro de Deus, emocionada, falou sobre a vida e a morte de José Porfírio, um camponês que liderou importante rebelião de homens e mulheres que ocuparam terras devolutas do médio norte goiano, e que lutaram bravamente para defender suas posses, numa guerrilha que ficou conhecida como “Revolta de Trombas e Formoso”. No auge da resistência, Porfírio foi eleito deputado estadual. Mas depois foi preso, torturado e desaparecido desde novembro de 1972.
O final do cortejo aconteceu no Monumento aos Mortos e Desaparecidos pela Ditadura Militar em Goiás, na confluência da Alameda dos Buritis, Avenida Assis Chateaubriand e Rua 26, quando a noite pincelava de preto o céu avermelhado pelo sol poente. As grandes cruzes foram amarradas à bola de ferro símbolo dos grilões que prendiam os presos e lhe cortavam a liberdade. Flores, pequenas cruzes brancas e fotos dos 15 mortos e desaparecidos pela Ditadura Militar em Goiás foram fincadas no jardim do canteiro central que acolhe o monumento. Falas emocionadas e vibrantes, lágrimas furtivas e mesmo choros convulsivos; abraços de solidariedade, declamação de poema e cantorias fecharam o ato unificado, marcado de emoção do seu começo ao fim.
E, para reafirmarem em documento o seu repúdio ao Golpe Militar e à Ditadura por ele implantada no Brasil por 21 anos, entidades representativas de importantes segmentos da comunidade goiana e também os sobreviventes das prisões e das torturas dessa época e/ou seus familiares assinam e dão publicidade a um documento onde reafirmam sua postura política em favor do aprofundamento da democracia e sua indignação frente às comemorações realizadas nos quartéis do exército do Brasil desse triste e quase ainda desconhecido período da história política brasileira, quando, praticaram imprescritíveis crimes contra a humanidade.
“A ditadura militar perseguiu, sequestrou, torturou, assassinou, assegurando centenas de mortos(as) e desaparecidos(as) políticos(as). Principalmente após a edição do AI-5, implantou o mais cruel terrorismo de Estado. Suprimiu todos os direitos e garantias individuais. Com plenos poderes e a certeza da impunidade, os torturadores decapitaram, esquartejaram, afogaram crianças em banheira. Castraram, estupraram, extirparam seios, introduziram cassetetes em vagina e ânus de pessoas presas políticas. Praticaram imprescritíveis crimes contra a humanidade. Além de tudo, o regime nazifascista contribuiu para a implantação de sanguinárias ditaduras em outros países da América Latina.
Inumeráveis malefícios atingiram a grande maioria da população brasileira. E como nenhum governo adotou medidas que garantissem a necessária ruptura com esse tempo de trevas, são incalculáveis, ainda hoje, os prejuízos em todos os níveis de funcionamento da sociedade. É notória a gravidade dos problemas no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, com negativas repercussões na política, na economia, na educação, na saúde e até no comportamento da Polícia Militar, determinando inclusive a formação de milícias, que tanto contribuem para a implementação da violência. A propósito, quem mandou matar Marielle? Quem?
Por tudo isso e, especialmente pelo desastre do governo atual, nós manifestamos o nosso mais veemente repúdio ao golpe de Estado de 1964, que pôs fim a um regime democrático de direito e deu início a uma ditadura que durou 21 anos (1964-1985). O golpe foi planejado, preparado e executado pelo governo dos Estados Unidos, por grandes empresários, latifundiários, políticos fascistas e pelas Forças Armadas, tendo o Exército à frente. Assegurou-se, assim, a manutenção dos privilégios dos poderosos, com a corrupção encoberta pela draconiana censura à imprensa e a repressão que aterrorizava quem ousasse defender a democracia e a justiça.
Mas, apesar de tudo, a resistência cresceu, ganhou as ruas, as massas do povo, sem qualquer negligência dos heróicos (as) militantes que deram o sangue e a própria vida no combate à tirania do Estado terrorista. A redemocratização foi conquistada. E se a democracia ainda possui inúmeras deficiências, prossegue a nossa luta pelo seu aprofundamento. Não aceitamos retrocesso em nossas conquistas. Não abrimos mão dos nossos direitos. Não nos calamos diante do desgoverno do pai, dos três filhos, da mulher, das suas milícias, dos seus aliados e do general vice-presidente. A nossa unidade nos fortalece. Venceremos. Repudiamos os 55 anos do golpe e suas comemorações. Viva a democracia, a paz e a justiça. Ditadura nunca mais!
– Sindicato dos Jornalistas de Goiás / Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Imprensa Central Única dos Trabalhadores – GUT-Goiás
– Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal – Sintsep-GO
– ANIGO – Associação de Ex-Presos Políticos e de Anistiados de Goiás
– AMB – Articulação das Mulheres Brasileiras
– Partido Socialismo e Liberdade – PSOL-Goiás
– Partido dos Trabalhadores – PT-Goiânia
– Partido dos Trabalhadores – PT-Goiás
– Partido da Causa Operária – PCO – Goiás
– Partido Comunista do Brasil – PcdoB-Goiás
– União Nacional dos Estudantes – UNE
– União da Juventude Socialista – UJES-Go
– Comissão Pastoral da Terra – CPT-Goiás
– Central dos Trabalhadores do Brasil – CTB -Goiás
– União da Juventude Socialista
– Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno
– Rádio Universitária – UFG
– Deputado Federal Rubens Otoni – PT
– Deputada Estadual Adriana Accorsi – PT
– Deputada Estadual Isaura Lemos – PcdoB
– Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação das Instituições Federais de Ensino Superior do Estado de Goiás – SINT-IFESGO
– Coletivo de Mulheres de Goiás Lula Livre
– Juventude MST – Goiás
– Zezinho do Araguaia – ex- preso político
– Antônio Pinheiro Sales – jornalista, escritor e ex-preso político
– Neso Natal – geólogo, ex-preso político
– Antonio Carlos Borges Cunha – jornalista, prof. Universitário, filho e sobrinho de presos políticos
– Walderês Nunes Loureiro – prof. universitária aposentada, ex-preso política
– Vera Maria Cortes – cineasta – mulher de ex-preso político
– Élio Cabral de Souza – odontólogo, ex-preso político e ex-presidente da ANIGO
– Luis Carlos do Santos – radialista aposentado, ex-preso político
– Alexandre Dimas – odontólogo e ex-preso político
– Anete Rabelo – fonoaudióloga – ex-presa política
– Dirce Machado – professora aposentada e ex-presa política de Trombas de Goiá
– Maria Tereza Canesim Guimarães – professora aposentada da UFG e PUC-GO
– Pedro Wilson Guimarães – professor aposentado da UFG e reitor da PUC-GO, ex-prefeito de Goiânia, ex-deputado federal, ex-presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos e ex-preso político;
– Ângelo Lima – cineasta e ex-preso político
– Itamar Correa – músico e ex-preso político
– Lenine Bueno – exilado político e filho de ex-preso político
– Laurenice (Nonô) Noleto Alves – jornalista, escritora, artesã licoreira e mulher do ex-preso político Wilmar Alves;
– Olavo Noleto Alves – filho do ex-preso político Wilmar Alves
– Frederico Noleto Alves – filho do ex-preso político Wilmar Alves
– Guilherme Noleto Alves – filho do ex-preso político Wilmar Alves
– Bárbara Braga Noleto Alves – neta do ex-preso político Wilmar Alves
– Ana Júlia Braga Noleto Alves – neta do ex-preso político Wilmar Alves
– Vanilda Alves – irmã do preso político Wilmar Alves