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Marielles, Dandaras e a resistência das mulheres negras

Se os ataques à classe trabalhadora hoje amedrontam, a interseccionalidade agrava ainda mais a situação para determinados segmentos. Mas são as mais ameaçadas que dão uma lição de força, coragem e superação


Marielles, Dandaras e a resistência das mulheres negras
Representantes da Condsef/Fenadsef se reúnem em memória de Marielle Franco

Condsef/Fenadsef

Na data de um ano de execução política da vereadora do Rio de Janeiro e do 105º aniversário da escritora Carolina Maria de Jesus, lágrimas de pesar se unem à celebração da resistência de mulheres negras do passado e do presente. Dandara dos Palmares, por exemplo, rainha do maior quilombo do período colonial brasileiro, no século XVII, fez história em uma época em que negros eram considerados mercadorias. Ambas, Marielle e Dandara, e outras tantas heroínas apagadas da história, foram tema do samba enredo da Mangueira, a campeã do carnaval carioca deste 2019.

Dandara é também nome da Secretária de Combate à Discriminação do Sindsep-MG (na foto, a primeira da direita para a esquerda). Servidora há três anos da Universidade Federal de Juiz de Fora, a técnica em saúde recebeu um dia antes deste 14 de Março de Marielle uma medalha de honra em sua cidade, pela contribuição na luta das mulheres. Dandara Felícia Silva de Oliveira é militante transfeminista e superou todas as estatísticas: ultrapassou a expectativa de vida de pessoas trans, que no Brasil é de 35 anos; tem emprego formal e ocupa um cargo de decisão, como dirigente sindical. Ao receber a medalha, teve a consciência de que ela merecia a honra, sim. O caminho percorrido até então não foi nada fácil.

“Passei por 37 anos de opressão até chegar a este espaço que ocupo hoje. Agora sou mulher trans funcionária pública concursada, mas sofri 37 anos de silenciamento. Resisti e mereci essa medalha”, compartilha Dandara Oliveira, que escolheu este nome pela ancestralidade negra, como referência à rainha dos Palmares, com o objetivo de inspirar mais mulheres negras da atualidade a entenderem que é possível ocupar espaços de decisão.

Inspirações de resistência

A medalha recebida por Dandara Oliveira leva o nome de outra mulher de força: Rosa Cabinda, negra escravizada do século XIX que levou seu senhor à justiça para ter o direito de comprar sua própria liberdade. O acontecimento se deu após a aprovação da Lei Rio Branco, que garantia a possibilidade de escravizados obterem sua alforria por meio da compra. Carlota Halfeld, antiga senhora de escravos, havia determinado o preço da liberdade de Rosa em testamento, mas após sua morte, o viúvo Henrique Halfeld quis aumentar o valor. “Ela enfrentou a super estrutura do judiciário e conquistou o direito de  poder comprar sua liberdade”, conta a Secretária de Combate à Discriminação do Sindsep-MG e também integrante do Coletivo LGBTQI+ da Condsef/Fenadsef.

O nome dado à medalha, premiação criada por diversos coletivos e organizações feministas de Juiz de Fora, foi escolhido propositalmente para se opor à medalha Henrique Halfed, honraria tradicional da cidade que laureia há anos majoritariamente homens brancos. A condecoração Rosa Cabinda, ao contrário, é dada para mulheres. Dandara Oliveira recebeu a homenagem ao lado de mais 24 cidadãs juiz-foranas. Ao dar entrevista a um jornal local, mandando um áudio de WhatsApp para a repórter, foi ouvida por uma mulher que dividia o elevador com ela. Ao encerrar a fala, Dandara viu a mulher se emocionar e a abraçar.

“Ela me ouviu dizer que Rosa era mulher de extrema coragem e é coragem o que temos quando saímos diariamente nas ruas dessa sociedade machista, racista e homofóbica que quer ver nossos corpos silenciados. Aí [quando viu a jovem emocionada] eu entendi o verdadeiro valor de receber essa medalha. Isso é muito significativo”, detalha. “Representatividade importa muito, é uma forma de conseguir atingir a dor do outro, ouvir o outro mesmo que sem palavras e acalantar a dor do outro para que tenham vontade de continuar lutando por um mundo melhor. Isso é revolucionário”, completa Dandara.

A dirigente sindical tem muito a comemorar, para além de sua medalha individual. Foi uma conquista a criação de um Coletivo LGBTQI+ dentro da Condsef/Fenadsef, em dezembro passado. A representatividade também alcança espaços nos movimentos da classe trabalhadora.

“Uma sobe e puxa a outra”

Se Marielle veio com a força que teve, o fez porque outras mulheres negras lutaram antes dela e ao seu lado. Diante de constantes tentativas de silenciamento dentro do plenário da Câmara Municipal, Marielle uma vez gritou que não seria interrompida. Apesar da execução, suas sementes seguem brotando. Nas últimas eleições, três assessoras da vereadora foram eleitas: Renata Souza, Mônica Francisco e Dani Monteiro, todas mulheres negras. Cinco meses após o crime, alguns projetos de lei de Marielle foram aprovados.

Um deles, por exemplo, incluiu no calendário oficial da cidade do Rio de Janeiro o Dia de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, Dia 25 de julho, em homenagem a mais uma rainha de quilombo apagada dos livros de História, que contam mais sobre descobrimentos do que invasões, como canta o enredo da Mangueira. “Brasil, o teu nome é Dandara (...). Chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, Malês. Ô abre alas.”






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