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IBGE público é fundamental para o país

Entrevista com Paulo Lindesay, diretor do sindicato nacional dos servidores do IBGE


IBGE público é fundamental para o país
Foto: Nando Neves / Sintrasef-RJ

Sintrasef-RJ

Criado em 1934, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é um órgão estatal. Além de ser conhecido por realizar o censo demográfico a cada dez anos, ele também produz pesquisas e estudos que são as principais fontes para o governo planejar melhorias estruturais e sociais no país, assim como criar e fazer a manutenção de políticas públicas.

Entretanto, o presidente Jair Bolsonaro mostrou total desconhecimento a respeito do funcionamento e da importância do IBGE ainda antes de assumir seu mandato, pois disse que a metodologia utilizada no cálculo oficial de desemprego, que segue padrões internacionais, é uma farsa. Aliada ao desconhecimento, sua política de Estado mínimo representa um grande risco de esvaziamento e privatização do instituto.

Nesta entrevista, Paulo Lindesay, diretor da Associação de Servidores do IBGE – Sindicato Nacional, afirma ser preciso que a população brasileira faça uma ampla defesa de órgãos públicos como o IBGE para que eles continuem seus aliados, mostrando a realidade do país e jamais seguindo diretrizes de mercado.

Sintrasef) Qual é a importância do IBGE para a sociedade?

Paulo Lindesay) Ele tem a missão de retratar o país e é conhecido majoritariamente pelo censo. Todo mundo acha que faz apenas o censo. É uma das instituições mais importantes do Brasil porque a partir desse grande banco de dados, que é um dos maiores do mundo, ajuda os governos a construírem os planos de trabalho e as políticas públicas. Na realidade, o IBGE não é um órgão de governo, é um órgão de Estado. Ele não pode ter nenhuma interferência externa. Tem que ter total autonomia para retratar aquilo que é real dentro do país, as coisas boas e as ruins também.

Em quais áreas o instituto atua?

O instituto atua nas áreas estatística, econômica e social, e tem grande participação na geociência e na cartografia. Sua importância para o Estado brasileiro deveria ser bem mais difundida, mas infelizmente as pessoas não entendem que o IBGE necessita realmente de estrutura para que possa cumprir seu plano de trabalho. Tivemos dificuldade para fazer o censo agropecuário e também estamos tendo para começar a preparar o censo demográfico que será em 2020. Ainda não conseguimos as verbas iniciais. O IBGE precisava de R$ 340 milhões para iniciar o plano de trabalho no censo agropecuário, o governo disponibilizou no máximo R$ 200 milhões e nós precisamos correr atrás de R$ 140 milhões.

Como passar para o cidadão a noção de que o IBGE é fundamental para o país?

Primeiro, o próprio governo deve reconhecer o papel do IBGE como órgão de Estado. O instituto tem hoje uma importância crucial para a sociedade, mas infelizmente ainda não é reconhecido como um órgão de Estado. Tendo essa importância para o Estado brasileiro é que a sociedade poderia entender porque o instituto é fundamental para a saúde, a educação, o meio ambiente.

Todas as áreas do Orçamento Primário da União, onde está o Estado brasileiro, não acontecerão se o IBGE não tiver estruturas física e econômica e um orçamento robusto para que a gente possa cumprir o nosso plano de trabalho, ajudando o Brasil a se tornar cada vez mais um Estado igualitário e a dividir melhor a renda. Todo brasileiro tem contato com ele desde a sua infância, porque existem os atlas escolares. As pessoas ainda não conseguem entender a importância do instituto porque ele é reconhecido apenas pelas suas grandes operações censitárias.

Acredito que se houvesse uma informação melhor, se tivesse alcance na grande mídia, talvez não houvesse tanta dificuldade de chegar aos lares para fazer as pesquisas, pois ele teria reconhecimento e a população saberia sua importância. Cada vez se torna mais difícil fazer as pesquisas com tanta violência, e o governo não prepara a sociedade para acolher o IBGE como amigo e não como inimigo. Temos as leis de sigilo. O banco de dados do IBGE é feito para garantir o sigilo das informações.

Quais são os riscos que o IBGE corre após as declarações do presidente Jair Bolsonaro? (Antes da posse, o presidente criticou a metodologia do instituto para a aferição de desemprego)

Na realidade, o ataque ao instituto vem ocorrendo há décadas. Já houve algumas tentativas de intervenção de governos, sempre rechaçadas pelo seu corpo técnico, porque entendemos que o IBGE deve ter uma autonomia técnica para cumprir o seu papel estratégico no Estado. Ele precisa ser reconhecido como um órgão de Estado porque, dessa forma, pode passar qualquer governo, que ele estará cumprindo o seu papel. Não pode haver essa interferência do presidente Jair Bolsonaro falando que o IBGE comete fraude.

Sabemos que não é verdade e saímos com uma nota em defesa do instituto, mostrando que cumpre todas as medidas internacionais na questão de estatística. Uma parte da grande mídia também defendeu o instituto e até mesmo economistas neoliberais defenderam o papel do IBGE. Nós estamos aqui para apresentar a coisa ruim e a boa desse país. Não podemos esconder porque um governo A ou B não quer que a gente mostre. O IBGE precisa se manter autônomo, perante qualquer governo, para que a gente possa manter essa estrutura necessária para retratar o país.

Como o IBGE fará para lidar com o governo Bolsonaro?

É por isso que fizemos uma nota mostrando que o IBGE segue uma metodologia internacional. A gente não criou uma metodologia especial. Ele é reconhecido internacionalmente como um dos grandes institutos de pesquisa desse país e, por conta disso, seguimos aquilo que é determinado pela ONU (Organização das Nações Unidas) e pela OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Se alguém não conhece efetivamente quais são as metodologias que o IBGE pratica, deveria procurar conhecer, ir até a instituição antes de falar que a metodologia é fraudulenta. O presidente deveria vir até a direção do IBGE para conversar e colocar, externar sua preocupação ou divergência, para que os técnicos qualificados do IBGE possam explicar, como foi explicado depois pela nota do sindicato dos técnicos e posteriormente do próprio instituto. Isso é uma coisa que nos preocupa porque o IBGE não pode ter essa interferência.

Há o risco de esvaziamento do órgão?

Como agora temos um projeto de diminuição do Estado brasileiro, nós estamos muito preocupados porque o IBGE está com 5.200, mais ou menos, trabalhadores na ativa. Desses, 1.400, 1.500 têm abono de permanência, o que significa que eles podem se aposentar a hora que quiserem. A mudança de projeto de governo e a proposta de reforma da previdência, colocada não mais como uma PEC, mas como um projeto de lei, acelerarão ainda mais a aposentadoria no IBGE.

O instituto tem solicitado ao governo um concurso com 1.800 vagas para nível médio e superior, para poder minimizar o prejuízo que houve na sua mão-de-obra. Se ela não for qualificada e suficiente, não conseguimos manter nosso plano de trabalho. A nossa preocupação é que a partir daí, o IBGE possa ter o seu plano de trabalho terceirizado. Tudo é possível no momento de recessão que atravessamos no país.

E risco de privatização ou extinção do IBGE?

Não somente do IBGE, mas do serviço público de um modo geral. O ataque não é contra o instituto, é contra o serviço público. Todos os órgãos públicos estão sob suspense. O ataque ao Ibama dizendo que é uma cultura de multas, a união da Agricultura com o Meio Ambiente, com a destruição do Ministério do Trabalho. Se com o Ministério do Trabalho a defesa do trabalhador já é difícil, agora imagine sem ele. Qual é a garantia com a reforma trabalhista e principalmente com a intensificação do trabalho intermitente? O cenário para o trabalhador é ruim.

Já existe todo um arcabouço criado para abrir a possibilidade de demissão dos servidores. A reforma administrativa que estão propondo é diferente da reforma do Temer e das anteriores. As outras eram enxugamento de ministérios, por exemplo, tinham 30 e passam a ter 15. Todos esses servidores cortados eram realocados. Agora eles não estão fazendo isso. Serão, por exemplo, 15, e essa outra parte terá que sumir.

No IBGE, um grande número de trabalhadores não tem estabilidade constitucional, ou seja, podem ser demitidos a qualquer momento. Além disso, na própria EC 19/98 tem a demissão de servidores públicos estáveis. É preciso ter leis complementares, como as que eles estão criando no Congresso, por exemplo, a PLS 116/2016, que abre a possibilidade de demissão do servidor estável com três avaliações negativas, porque o não estável não precisa de criação de lei, é mandado embora a qualquer hora.

Não acredito em extinção, mas na possibilidade de haver uma parte do IBGE terceirizada, privatizada, como a Fundação Getúlio Vargas, que tem os pesquisadores e, quando quer fazer uma nova pesquisa, contrata por três, cinco meses e depois manda embora sem relação de trabalho. Então acredito que o IBGE continuará existindo, mas não da forma que a gente imagina, porque hoje lutamos para que o instituto seja de Estado. A interferência de informações do banco de dados do IBGE irá trazer muito prejuízo para a sociedade.

O que a sociedade pode perder caso o IBGE seja esvaziado ou privatizado?

Ela perderia todo esse retrato, esse espelho, porque não se pode fazer política pública se não houver dado suficiente para que possa ser levantada a necessidade de determinado território. Se não sabe, por exemplo, quantas pessoas deficientes têm em uma localidade, como poderá ser criada uma política pública para deficiente? Recentemente foi feito o censo agropecuário, financiado por emendas parlamentares, e os questionários foram enxugados. Uma das áreas em que isso ocorreu foi exatamente a agricultura familiar. E quem alimenta o povo brasileiro? É o agronegócio? A população acha que sim, mas quem alimenta é a agricultura familiar. Se não têm informações para a agricultura familiar, como serão feitas as políticas públicas nesse e em outros setores? No olho?

Ao falar de violência, as pessoas comentam sobre projetos de repressão. O projeto instalado no Brasil, hoje, é repressivo. Agora, alguém pergunta por que tem tanta violência? Se pegar os números do IBGE entenderá. Não é porque não tem polícia, mas sim porque não tem divisão de renda. As pessoas acham que são boazinhas, dão sopa aos pobres uma vez por mês, mas esquecem que eles também comem todos os dias. Ao voltarem um mês depois, terá um novo grupo de pobres porque aquele que não comeu, morreu.

Estamos falando da 9ª economia do mundo. Não estamos falando da Grécia, de Portugal. Estou falando do Brasil, que é um país rico, tem riquezas mil que não são divididas com a sociedade. Por conta disso, a violência cresce cada vez mais.

Contra essa agenda ultra neoliberal do Estado mínimo, como o IBGE e outros órgãos públicos podem se fortalecer? Como contar com a parceria da sociedade?

A primeira coisa que estamos fazendo é a desmistificação do que está acontecendo. Estão colocando, por exemplo, como um dos grandes vilões da economia o servidor público. Fiz um estudo de 2000 até 2016, pegando toda despesa do pessoal e comparando com a receita da corrente líquida. Por que comparando? Porque é uma das formas utilizadas na Lei de Responsabilidade Fiscal que diz que o Estado Nacional, a União, pode gastar 50% da receita corrente líquida e os estados e municípios, 60%.  Ao longo desses vários anos, a gente sempre esteve muito abaixo, inclusive em 2016, quando chegamos a 36%. Nós temos ainda uma gordura para melhorar o serviço público de mais de R$ 130 bilhões.

Mesmo com essa gordura, a política de corte de gastos públicos é empurrada goela abaixo da população. Como reverter essa visão?

Não é verdade que o vilão da economia é o servidor público. O problema é que a EC (Emenda Constitucional) 95 veio justamente para construir o Estado mínimo, porque isso não é uma proposta de agora, já vem da década de 90, mas atualmente ela tem mecanismos que ajudarão a intensificar e colocar esse projeto em prática. Ela vem para atacar efetivamente o orçamento primário da União, onde está o Estado brasileiro. Ataque no sentido de enxugar o Estado, acabando praticamente com as instituições públicas.

A única maneira que nós, trabalhadores e a sociedade de um modo geral, temos de acessar o fundo público, é por meio de políticas públicas. Sem elas não há o cumprimento constitucional, que é o art. 6º, que fala do direito à casa, à moradia, à alimentação, ao trabalho.

As perspectivas planejadas para 2019 é que teremos um déficit de R$ 139 bilhões. Eu afirmo para você que nós temos na conta única do Tesouro um saldo de R$ 1,2 trilhão. Como pode ter um saldo de R$ 1,2 trilhão na conta do governo e falar que tem déficit  e que o país está quebrado? O problema é que tem uma engenharia que está sendo colocada à disposição do grande capital rentista.

Os servidores e suas entidades têm denunciado essa engenharia, manipulação de números?

É isso que o servidor ainda não conseguiu visualizar, todo um arcabouço administrativo e jurídico. Como faz uma demissão? Só com decreto? Não! É um ambiente preparado. O que é preparado e divulgado na grande mídia? Que o servidor público faz parte de um bando de privilegiados. Quem agora do Judiciário ganha R$ 36 mil? Só a cúpula, os outros não ganham. Tem gente na área administrativa da Polícia Federal que ganha R$ 2 mil, R$ 3 mil. Na Justiça é a mesma coisa.

Quando colocam que o servidor é privilegiado, colocam aqueles que ganham muito, a cúpula. A maior parte não ganha assim. Tem servidor que recebe menos do que um salário mínimo. A sociedade pensa que ele é privilegiado porque compara a cúpula com o servidor comum. O servidor vira alvo. Mesmo com todas as debilidades que o serviço público tem, ele ainda é o elo entre a sociedade e o Estado. Se não tiver esse elo, a sociedade não tem acesso ao governo, ele não a escutará.

O servidor ainda não conseguiu enxergar o seu tamanho. Nas três esferas (municipal, estadual e federal) nós somos 11 milhões de pessoas. O problema é que o servidor público tem uma grande divisão que foi feita exatamente por meio da meritocracia. Foi criada uma imagem de que o trabalhador não precisa pensar coletivamente, mas sim individualmente. Por conta disso, a divisão entre os servidores está cada vez maior, porque o sistema foi muito hábil, criou diferenças geracionais. Cada geração está lutando por coisas diferentes, por isso que a gente não consegue se unir. Esse foi o papel do projeto neoliberal que convenceu, principalmente os novos trabalhadores, que as capacidades técnica e intelectual são suficientes para te levar ao topo. Não são, é a união, a consciência de classe, o trabalho coletivo que levam todos a um patamar digno.






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