Condsef/Fenadsef
Quando se abre um debate onde o gênero aparece como recorte, historicamente as mulheres surgem em desvantagem, seja por assumir múltiplas responsabilidades no trabalho e no lar, por ganhar menos ou por sofrer exposição a violência física e psicológica. A pandemia por Covid-19 acentuou muitos dos problemas que mulheres já enfrentam no dia a dia. Para pensar ações que auxiliem na mudança desse cenário não são poucos os grupos que têm se dedicado a acompanhar os impactos da vida das mulheres durante a pandemia. Os resultados comprovam a decisão acertada do Coletivo Nacional de Mulheres ao apontar a realização dessa live: é preciso uma construção coletiva permanente e fomentar cada vez mais debates sobre formas de enfrentar os desafios que afetam a vida das mulheres em nossa sociedade. A informação e a formação de conhecimento são apontadas como essenciais nesse processo.
Com dados e muita informação qualificada a live apontou para os caminhos que entidades sindicais devem seguir para fomentar cada vez mais essa discussão e a partir daí conseguir transformar as realidades que hoje apontam para uma sobrecarga da mulher nos diversos papéis que desempenha. Do debate participaram a supervisora regional do Dieese na Bahia, Ana Georgina Dias, a advogada criminalista e membro da pastoral carcerária, Paula Cavalcanti, e a presidenta da Federação Nacional dos Enfermeiros e conselheira nacional de saúde, Shirley Morales. As mediadoras foram as diretoras da Confederação, Elna Melo (Secretaria de Política Sindical e Formação) e Erilza Galvão (Secretaria de Gênero, Raça, Juventude e Orientação Sexual).
Dados de pesquisas e estudos que vem sendo divulgados só reforçam o que esta edição da live da Condsef/Fenadsef debateu. Uma pesquisa realizada pela Sempreviva Organização Feminista e pela Gênero e Número aponta que 50% das mulheres brasileiras assumiram a responsabilidade nos cuidados com alguém na pandemia, 40% afirmam que o isolamento as colocou em situação de risco em casa e 41% afirmam estar trabalhando mais na quarentena. No Reino Unido uma pesquisa com 20 mil mães inglesas feita por uma ONG revelou que 72% das mulheres que são mães afirmaram ter que reduzir a jornada de trabalho remunerado por causa do cuidado com as crianças, 51% não tem apoio suficiente nesse cuidado com os filhos. O estudo britânico revelou que a pandemia está tendo um impacto especialmente negativo na carreira das mães.
Fazendo alusão ao mês que marcou o Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, a supervisora regional do Dieese na Bahia, Ana Georgina Dias, lembrou que na conversa sobre gênero 68% dos lares chefiados por mulheres negras aparecem abaixo da linha da pobreza. Entre as brancas o dado cai para 39%. Para Paula Cavalcanti, advogada criminalista, mulheres negras e em contexto de periferia estão em desvantagem nesse contexto de crise. Para ela é preciso olhar com atenção a situação de todas as mulheres, também e principalmente aquelas em situação de cárcere, muitas vezes vítimas de um sistema que pune mais quem está em situação de maior vulnerabilidade na sociedade.
A supervisora do Dieese trouxe dado do IBGE que mostra que homens que não estão trabalhando gastam em média 12,1 horas com afazeres domésticos enquanto mulheres trabalhando gastam 18,5 horas do seu tempo nos afazeres do lar. Aquelas que não estão ocupadas no mercado de trabalho chegam a 24 horas semanais. Analisando a taxa composta de desocupação e subemprego 20,2% dos homens aparecem nessa situação enquanto mulheres representam 29,2%. "Não podemos dizer que a pandemia é neutra em termos de gênero, pois não é. A maioria que está em situação precária é representada por mulheres. Os impactos sobre trabalho, emprego e renda tem peso maior sobre a mulher".
Ana Georgina lembrou ainda a necessidade de que mulheres ampliem sua participação em espaços de poder como na política. "Ainda somos pouco representadas no Congresso, assembleias, câmara de vereadores, com isso também as desvantagens se aprofundam", destaca. No início da live a coordenadora do Departamento de Empresas Públicas da Condsef/Fenadsef, Dandara Felícia, que está afastada de seu cargo no momento, pois é pré-candidata a vereadora em Juiz de Fora, fez uma participação na live e resumiu a luta e desafio imposto cotidianamente às mulheres: "vamos vencer no afeto".
Cavalcanti mencionou ainda a Lei 14.022/20, sancionada em 8 de julho, que traz prescrições e recomendações para que mulheres possam receber acolhimento durante a pandemia. "Esclarecer sobre a quem recorrer e quais nossos direitos é determinante e é como por exemplo a Condsef pode também ajudar", pontuou.
A presidenta da Federação Nacional dos Enfermeiros e conselheira nacional de saúde, Shirley Morales, trouxe recorte da situação das mulheres que estão atuando na linha de frente do combate à Covid-19. Ela relata que a falta de equipamentos, o medo de se contaminar e contaminar seus familiares, a falta de testagem, a ausência de direito a licença e a descanso, somadas à jornadas triplas, responsabilidades e cobranças estão impondo um perigoso impacto psicológico nessas mulheres. "A saúde mental dessas trabalhadoras é algo que preocupa. As histórias que escutamos e acolhemos mostram o tamanho do desafio".
Para Shirley, as dificuldades não podem ser maiores do que a força e esperança na mudança dessas realidades e injustiças. "É preciso lembrar de Martin Luther King quando ele diz que a injutiça num lugar qualquer é uma ameaça a justiça em todo lugar", pontua. "Todas as situações a que mulheres estão expostas precisam nos tocar", disse. "A presidenta da FNE ainda mencionou um comentário machista que foi deixado por um homem durante a live. "Isso só vai acontecer em live que debate o protagonismo feminino. Em outra live não vamos encontrar isso que mostra a mulher colocada num lugar de narrativa desfavorável e que não podemos aceitar", concluiu.
Shirley ainda mencionou a diferença crucial entre equidade e igualdade. "Devemos assumir nosso lugar de protagonismo e entender que trabalhamos igual ou mais que os homens e ainda somos pouco valorizadas. Mais do que igualdade buscamos equidade onde cada um tem que ter de acordo com sua necessidade. Precisamos de políticas de estado que atendam essas necessidades. Somos diferentes, queremos ter o que nós precisamos. Devemos enfrentar os problemas como problemas de todas nós. Só assim chegaremos lá".
Para ressaltar a importância do dia 25 de julho na luta das Mulheres Negras e Latino-Americanas, sobretudo nessa conjuntura de pandemia, Erilza e Elna fizeram homenagens com leitura de músicas de Violeta Parra e Ilê Aiyê. Elna ainda pontuou alguns temas que podem contribuir para a reformulação de uma geração: naturalização do trabalho doméstico, convivência com diferenças, respeito para que cada um consiga cuidar do seu corpo, leitura mulheres inspiradoras, mudança de termos para evitar esteriótipos. valorização carreira da mãe, permissão de vontades e embasamento, quebra preconceitos, debate temas importantes dia a dia, estimulo a visão crítica. Além disso outros temas foram abordados como a situação das mulheres no pós-pandemia quando o auxílio emergencial for interrompido.