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Demarcação de terras indígenas volta para Ministério da Agricultura

Em mais uma tentativa de submeter indígenas a ruralistas, Bolsonaro publica nova medida provisória que passa por cima de decisão do Congresso Nacional. Ato aconteceu no momento em que Funai aguarda nomeação de presidente


Demarcação de terras indígenas volta para Ministério da Agricultura
Foto: Reprodução/Apib

Condsef/Fenadsef

A Medida Provisória nº 886, publicada nesta quarta-feira, 19, transfere para Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) a competência de demarcação de terras indígenas. A tentativa de submeter políticas indigenistas a ruralistas aparece pela segunda vez neste governo e foi vetada recentemente pelo Congresso Nacional, na ocasião da votação da MP 870. Parlamentares, em concordância com as reivindicações de movimentos sociais, garantiram à Fundação Nacional do Índio o trabalho sobre as demarcações e a mantiveram em seu ministério de origem, a Justiça. Transformada em lei, a estrutura ministerial foi publicada no Diário Oficial na terça-feira, 18. Um dia depois, Bolsonaro apresentou nova medida provisória que volta a transferir o eixo central da politica indigenista aos agropecuaristas.

A decisão fere a lei. De acordo com o artigo 62 da Constituição Federal, “é vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que venha a dispor de matéria já decidida pelo Congresso Nacional”. Além disso, o Regimento Interno do Senado dispõe sobre o papel do Presidente do Senado impugnar proposições contrárias à Constituição. Caberia, portanto, a Davi Alcolumbre derrubar a nova medida. Caso isso não seja feito, partidos de oposição se movimentam juridicamente para impedir o autoritarismo. 

Servidores da Funai, indígenas e indigenistas criticam a postura do governo. Para o assessor jurídico da Associação Nacional dos Povos Indígenas (Apib), Eloy Terena, o que Bolsonaro fez é absurdo. "Nós recebemos essa notícia pela manhã com bastante preocupação, pela insistência do presidente, que é declaradamente anti-indígena, em colocar a demarcação [de terras] sob as asas do agronegócio. Isso é uma afronta do Poder Executivo sobre o Poder Legislativo. A matéria já foi definida pelo Congresso Nacional", argumenta. 

A organização indígena tem se mobilizado com suas lideranças e parceiros políticos, como a deputada federal indígena Joênia Wapichana (REDE-RR) e partidos próximos da causa. Procurado, o deputado federal Ivan Valente (Psol-SP) encaminhou ofício a Alcolumbre para que devolva a MP 886. Caso a devolução não seja feita, o parlamentar disse que apresentará medida judicial no Supremo Tribunal Federal.

Juliana de Paula, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), concorda com Terena de que a atitude de Bolsonaro é absurda porque passa por cima da deliberação do Congresso Nacional. "O legislativo rechaçou a redação que provocava alterações na Funai, transferindo a competência de demarcar terras para o MAPA. Bolsonaro ignorou a decisão do Congresso e editou essa MP com a mesma redação da MP 870. 

Sem presidente

A bomba aparece em um momento delicado para a Funai, que está há uma semana sem presidente nomeado. Na terça-feira da semana passada, 11, o Ministério dos Direitos Humanos anunciou a exoneração do general Franklinberg de Freitas. Segundo ele, sua queda teve a ver com interesses de terceiros, alheios à política indigenista. A afirmação seguida da publicação da MP 886 preocupa os servidores da casa. Maíra Taquiguthi Ribeiro, coordenadora de comunicação da Indigenistas Associados (INA) e indigenista especializada da Funai, diz que a situação é instável e que repercute diretamente nas políticas públicas para indígenas.

"Não sabemos quem vai entrar na presidência e qual será o direcionamento dado. Nós da INA temos muito claramente que a lei deve ser respeitada e que o cargo de presidente deve ser ocupado por pessoa que tenha qualificação técnica relacionada ao tema, que seja um profissional da área. Está no Decreto n. 9.727 que os cargos de indicação política devem ter qualificação profissional. Está na lei também que a demarcação de terras não é discricionária do governo, mas obrigatória pela Constituição."

Velha ameaça

Em abril deste ano, diante da ameaça primeira da MP 870, a presidente da Associação Nacional dos Servidores da Funai (Ansef), Claudia Almeida Bandeira de Mello protocolou ofício que manifestava preocupação sobre a proposta. Segundo ela, o processo demarcatório segue um rito completo e quase sempre conflituoso. "A demarcação física de uma terra indígena, embora seja a fase mais visível do processo, é necessariamente precedida de um diálogo indigenista e de estudos que, algumas vezes, levam anos, ou mesmo décadas, para formulação de proposta, conciliando direitos e interesses dos envolvidos", escreveu no documento.

Na mesma ocasião, Telma Taurepang, coordenadora geral da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira, avaliou a possibilidade de transferência da demarcação de terras indígenas para o MAPA como uma "atrocidade grande e uma violação com relação aos direitos dos povos indígenas".

Como representante de 80% dos servidores públicos federais, incluindo a Funai, a Condsef/Fenadsef repudia a medida provisória 886 e a considera inconstitucional. A competência de demarcação das terras indígenas deve ser preservada na Funai e deve ser comandada pelos servidores especialistas no tema. Para Sérgio Ronaldo da Silva, Secretário-geral da confederação, a tentativa de Bolsonaro é autoritária. "Damos nosso apoio aos servidores da Funai e ao movimento indígena. Seguimos na luta por nenhum direito a menos", comenta.






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