Condsef/Fenadsef
A Secretaria Especial de Cultura, a cargo do Ministério da Cidadania, foi transferida para o Ministério do Turismo por decreto presidencial publicado nesta quinta-feira, 7. Apesar das suspeitas anteriores, alertadas pela Condsef/Fenadsef, a publicação surpreendeu os servidores da Casa, que não foram consultados ou informados previamente sobre a decisão. A escolha de alteração da estrutura regimental de ministérios via decreto ressalta o autoritarismo da gestão, que passa a valer na data da publicação, sem necessidade de análise do Legislativo.
Segundo a ordem, ficam transferidas para o Turismo:
Entretanto, as autarquias, fundações, agência reguladora e conselhos responsáveis por estas competências não entraram no decreto, que transfere, além da Secretaria Especial de Cultura, o Conselho Nacional de Política Cultural, a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, a Comissão do Fundo Nacional de Cultura e seis Secretarias não nomeadas. A ausência desses órgãos no decreto, segundo servidores da Casa, leva a crer que pode ser publicada uma continuação da transferência nos próximos dias.
O artigo 4º do decreto afirma que, enquanto não houver estrutura no Turismo para receber os novos departamentos, os órgãos transferidos permanecem integrando o Ministério da Cidadania. De acordo com Michel Correia, servidor do Ibram e membro do Departamento de Educação e Cultura da Condsef/Fenadsef, o decreto é confuso e coloca a Cultura no limbo. "As políticas foram transferidas, mas não as autarquias, fundações, agência reguladora e conselhos. Enquanto não houver estrutura no Turismo, os órgãos continuam na Cidadania, mas as políticas já foram. A única coisa clara nesta confusão é o projeto de desmonte do governo", critica.
A transferência foi efetivada logo após a exoneração do então secretário de Cultura, Ricardo Braga, que ficou apenas dois meses no cargo. Braga havia substituído o secretário anterior, Henrique Pires, que pediu exoneração após a ordem presidencial para cancelamento de editais de séries com temática LGBT. Pires acusou a atitude de censura. De acordo com matéria publicada pelo portal G1, um dos nomes cotados para assumir o posto agora é o deputado federal Marcos Soares (DEM-RJ), filho do pastor RR Soares.
Desde que foi extinto o Ministério da Cultura, transformado em Secretaria Especial, as políticas culturais seguem paralisadas. Michel Correia conta que, em dez meses de inatividade, as autarquias eram um dos poucos setores em funcionamento. Amanhã, sexta-feira, 8, servidores de todas as áreas da Cultura estão convocados para Assembleia Geral que debaterá os desmontes do setor. As energias devem ser concentradas na construção da Frente Parlamentar em Defesa da Cultura.
Atualmente a Secretaria Especial de Cultura possui três autarquias e quatro fundações. São elas: Iphan, Ibram, Agência Nacional do Cinema (Ancine), Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), Fundação Cultural Palmares (FCP), Fundação Nacional das Artes (Funarte) e Fundação Biblioteca Nacional (FBN).
Audiência pública realizada pela Comissão da Cultura na Câmara dos Deputados debateu em outubro as ameaças de transferência da pasta para o Turismo. Márcia Genésia de Sant'Anna, servidora do Iphan há 27 anos, membro do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural e ex-Diretora do Patrimônio Imaterial do Instituto, explicou que o turismo é uma atividade importante e que deve, sim, se relacionar com o patrimônio. "Mas isso não significa de forma alguma que o patrimônio deve se tornar um mero instrumento do turismo", ponderou.
"Não se pode suplantar a função social do patrimônio. O Brasil vem tentando desenvolver um turismo de massa desde os anos 1960, com a criação da Embratur, mas até hoje os números estão estagnados, inclusive porque as questões que deveriam ser atacadas para desenvolver melhor o turismo no País não são atacadas. O turismo luta há mais de 40 anos para se desenvolver. Isso tem um impacto grande para o patrimônio", declarou.
Para Jurema de Sousa Machado, Presidenta do Iphan entre os anos de 2012 e 2016 e Coordenadora do Setor de Cultura da Unesco no Brasil de 2002 a 2012, não é possível conceber uma relação de subserviência patrimonial a uma política de turismo. "Não só aqui como em nenhum lugar do mundo. Nos países em que existe aproximação entre patrimônio e turismo, não existe subserviência", testemunhou.
Em 1953, o Ministério da Educação passa a se chamar Ministério da Educação e Cultura, e as políticas culturais ocupam o histórico edifício Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro. Como ministério autônomo, a pasta da Cultura foi criada por José Sarney, em 1985, mas dura pouco. Cinco anos depois, Collor dissolve o Ministério e o transforma em secretaria. Collor também extinguiu a Embrafilme.
Depois da renúncia do presidente, Itamar Franco recuperou o MinC, mantido nos governos FHC, Lula e Dilma. Temer tentou transformar o Ministério em secretaria da Educação, mas o movimento Ocupa MinC barrou a manobra. Assim que assumiu neste ano, Bolsonaro repetiu o movimento de Collor e Temer, e submeteu a secretaria ao recém criado Ministério da Cidadania. Agora, a Cultura está sob as mãos do Turismo, ignorando os alertas de especialistas na área.