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9 perguntas para Bruno Pereira, servidor da Funai

Funcionário do órgão desde 2010 e demitido da Coordenação-Geral de Índios Isolados, ele afirma que estamos à beira do maior retrocesso em três décadas nessa área, com a ameaça da extinção de povos que não têm como se defender


9 perguntas para Bruno Pereira, servidor da Funai
Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo

Época

1. Por que o senhor foi exonerado?

A Funai ( Fundação Nacional do Índio ) não colocou um fato concreto, apenas me comunicou que era uma decisão superior e pronto. Claro que a gente conjectura, vendo os discursos que estão sendo colocados, os currículos que estão assumindo os cargos estratégicos na Funai. Os interesses são diferentes.

2. Quais são as principais ameaças aos índios isolados atualmente?

O avanço sobre a terra. O bem-sucedido trabalho da política de proteção de índios isolados na Amazônia brasileira é uma referência para os outros países tropicais do mundo. O maior desafio é permitir que o território desses índios permaneça incólume. Mas os dados mostram um avanço monstruoso, uma sanha de disputas territoriais no seio do governo do país. Esses índios não falam com jornalistas, com a sociedade, então, se há uma hidrelétrica, ou mineração, ou estrada, ou garimpo ilegal, ou pesca ilegal na área deles, o último anteparo são as equipes da Funai para índios isolados. Quando esse setor se fragiliza, isso com certeza os deixa extremamente vulneráveis. É um reflexo, é uma consequência de um discurso, de movimentos, de decisões de Estado. É a terra deles que está em disputa. Os isolados não entendem o que é uma placa demarcando um território, e, para os índios, a terra é fundamental para sua vida. Não é meu sítio, para onde vou no final de semana. A árvore lá é dos espíritos de seus antepassados, é a forma de sobreviver, de tirar o sustento. Não dá para dissociar. Território é tudo.

3. O avanço sobre essas terras de que o senhor fala aumentou neste ano?

Vem aumentando desde o ano passado, claramente. Nós temos dados. Em virtude de uma disputa eleitoral muito pesada, de discursos sobre a Amazônia muito fortes, dos agentes do Estado que trabalham ali, houve uma corrida a essas áreas, cresceram as ameaças. O discurso que está colocado na Amazônia — e a gente vive lá, não vê pela televisão — é: “Acabou, agora é nossa vez”.

4. Aumentou a influência dos ruralistas na Funai?

Nos últimos meses, qual foi o planejamento, qual é a proposta para o trabalho indigenista? Desconheço até hoje. Há, sim, uma agressividade muito maior e um diálogo quase nulo. Os servidores não são ouvidos. A Funai deve ser aberta a todos. Tem de entrar lá o ruralista, o esquerdista, o comunista, os pretos, os quilombolas, os índios. A gente tem de ter acesso a todos, mas também escutar a todos. Entrar nesse viés ideológico é a melhor forma de esconder a verdade, de esconder o que está em curso.

5. O governo fala em propor a mineração em terras indígenas sem poder de veto às comunidades. Qual seria o impacto?

Seria imenso. A depender das circunstâncias, pode até resultar na extinção dos isolados, um processo de genocídio. Em áreas de índios isolados, não pode haver empreendimento, nem grande nem pequeno. A convivência, atualmente, já é complexa, inclusive com conflitos.

6. Diante desse quadro, quais os próximos passos na política brasileira em relação aos índios isolados?

Nós somos servidores públicos do Estado. Não somos servidores de um governo A ou B. Passamos por toda a redemocratização com essa política do não contato: Sarney, Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma, Temer. É uma política pública. Então vamos defendê-la até o final. Pode ser adequada, melhorada, com certeza. Mas temos de respeitar essas populações. Às vezes, é um povo de uma só pessoa, que sobrou de um extermínio. Quando vamos conseguir ficar em paz com nosso passado, olhar para trás e ver o que foi a história da construção do Brasil? Na Alemanha, existem museus para não esquecer o que foi Auschwitz ( campo de concentração ). Tratar com respeito esses territórios indígenas, seja dos isolados, seja de outros povos, é um modo de pacificar um pouco nosso passado e olhar para a frente.

7. Desde a Constituição de 1988, houve algum momento em que os isolados estiveram mais ameaçados?

O maior perigo agora é haver um recuo depois de tantos avanços. Pulamos de três unidades na Amazônia para 11. Partimos de dez, 12 povos isolados reconhecidos, e hoje são 28. Há estudos sobre 80. Houve, aos trancos e barrancos, avanços também na sociedade. A Funai precisa de poder de polícia, de porte de armas para a proteção das terras de isolados, de bases em pleno funcionamento, de recursos para sobrevoo das regiões, de parcerias de operação com polícias locais, Exército, Polícia Federal. Os inquéritos têm de ser concluídos, não basta destruir equipamentos de madeireiros ou prender o caminhão. Esses infratores que ameaçam índios isolados e servidores precisam ser punidos. No regime militar, a abertura de grandes estradas, a construção de hidrelétricas, foi tudo muito duro para os isolados. Depois dos avanços, agora a luz vermelha está ligada de novo. Se o desmantelamento for confirmado, depois pode ser tarde demais.

8. O senhor mencionou pesquisas em andamento. Como está isso?

A Funai não tem recursos para fazer todo o trabalho necessário. Houve uma diminuição dos estudos neste ano, e isso significa menos confirmação da existência de índios isolados, menos conhecimento sobre o território deles e, como resultado, menos proteção a esses povos. Esses índios estão lá. Às vezes, por interesses econômicos, tenta-se fingir que eles não existem. Em regiões como Mato Grosso, a expansão do agronegócio tenta passar a ideia de que são “grandes terras para poucos índios”. Mas não é assim. A demarcação de territórios de isolados é muito especializada. São expedições na floresta que marcam seus vestígios e confirmam que um povo anda em tal época do ano ali: são três mulheres, sete crianças. Chegamos ao nível em que conseguimos demarcar essas terras sem fazer contato com eles.

9. A Funai é subordinada ao Ministério da Justiça. Como o ministro Sergio Moro se manifesta nessa pauta?

Desconheço. Pelo que tenho visto, ele tem se negado a falar. É uma pena, porque é um juiz e pode até vir a ter uma cadeira no Supremo, onde vai tratar dessas questões. Não é à toa que a Funai está dentro do Ministério da Justiça. É o local do Executivo que dialoga com o Judiciário, que defende as minorias, que são muito mais frágeis. Todos esperávamos mais. Gostaríamos de escutar o Moro implacável com o Direito para defender esse tema, mas existem milhões de forças dentro do governo. Seria importante que ele se manifestasse.






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