Na última semana, o representante mor do fundamentalismo neoliberal do governo Bolsonaro, ministro Paulo Guedes – sob investigação do Tribunal de Contas da União, por suspeita de fraudes nos fundos públicos de empresas estatais –  chamou os funcionários públicos de “parasitas” e, irresponsavelmente, lançou um conjunto de mentiras para justificar seu ódio ao funcionalismo. 

Isso ocorreu em discurso para defender e justificar as reformas do Estado propostas pelo governo, e que já estão no Congresso Nacional, através de emendas constitucionais que radicalizam a Emenda Constitucional 95, aprovada no Governo Temer, que congelou os gastos sociais por 20 anos, e acrescentam transformações essenciais na máquina pública, na definição dos recursos orçamentários, reduzindo drasticamente as políticas sociais, criando um caos na educação e comprometendo gravemente a saúde pública, colocando em xeque a existência do SUS.

Trata-se de reformas que pretendem devastar as já frágeis políticas públicas no país, em nome de uma crise fiscal permanente do Estado brasileiro e que tem justificado um ajuste fiscal também permanente. E a aplicação desse ajuste fiscal se traduz na redução do número de funcionários públicos, através da suspensão de concursos, da quebra da estabilidade, da redução dos salários e da terceirização sem limites, reduzindo drasticamente a disponibilidade de serviços públicos à maioria da população brasileira, que necessita desses serviços, como condição de sobrevivência, especialmente na saúde e educação. 

O funcionalismo público sofre hoje um assédio moral institucional, governamental e da grande mídia, que diariamente divulgam ou distorcem informações, para desqualificar e desmoralizar esses profissionais, destituindo-os da sua natureza fundamental, que é a de serem os agentes que executam e garantem o atendimento público em todas as áreas sociais. Sem eles, ou com um contingente cada vez mais reduzido, fica impraticável manter serviços para uma população de 210 milhões de pessoas. 

Por isso, é fundamental destacar algumas informações, com base em fontes oficiais, do próprio governo e outras instituições credenciadas, para fazer frente a essa verdadeira campanha de difamação orquestrada pelo atual governo, como expressa no discurso do ministro da economia, cuja repercussão fez com que o ministério tirasse uma nota tentando aliviar as declarações irresponsáveis do seu titular.

Difunde-se a afirmação que o Estado brasileiro arrecada muito, é muito grande e inchado. Ou seja, que tem muito funcionário. Dados divulgados pela OCDE, utilizados pelo Banco Mundial em documento encomendado pelo governo brasileiro Gestão de pessoas e folha de pagamentos no setor público brasileiro: o que dizem os dados? , que defende as reformas do Estado, mostram em 2015, que a carga tributária no Brasil foi de 35,6% do PIB, enquanto que na OCDE foi de 42,4%.

A proporção de empregados no setor público em relação à total da população ocupada no Brasil é de 12% e na OCDE, 21,3%. Dado que levou o próprio Banco Mundial a reconhecer que o Brasil tem um “número modesto de funcionários públicos”. 

Conforme o Atlas do Estado Brasileiro, publicado pelo IPEA, o crescimento do número de funcionários é diferente para cada nível federativo. Entre 1995 e 2016, os federais aumentaram 25%, os estaduais cresceram 28% e os municipais 175%, decorrente da municipalização dos serviços públicos, especialmente, saúde, educação e assistência social e, também, do aumento do número de municípios.

É nos municípios que se concentra a maioria do funcionalismo, representando 57% do total em 2016, é também aí que a remuneração é a menor e que teve um crescimento acumulado de 41% entre 1986 e 2017; o funcionalismo estadual, que representa 33% obteve um aumento de 39%, enquanto que o federal, que corresponde a apenas 10%, teve aumento acumulado de 84% nestes 31 anos. Só a partir do Plano Real, julho de 1994 até dezembro de 2014, a inflação foi de 373,5%. A remuneração também varia muito, de acordo com os diferentes poderes – executivo, legislativo e judiciário. 

A despesa com pessoal em termos de proporção do PIB se manteve estável, era de 9,6% % em 2006 e passou a 10,5% em 2017. Ou seja, não houve nenhum descontrole de gastos.  

Ao se examinar a composição do orçamento federal executado em 2018, o governo gastou 41% (R$ 1,065 trilhão de reais) com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Dívida essa que nunca foi auditada nos termos constitucionais. Já as áreas sociais, como educação, saúde, segurança pública, assistência social e transferências para estados e municípios somaram 21% do total, ou seja, metade do que o governo destina às instituições financeiras e bancos, conforme dados da Auditoria Cidadã da Dívida. 

O pacote de reformas denominado “Mais Brasil” pelo governo, constituído por três Propostas de Emendas Constitucionais (PEC 186,187 e 188) tem como fio condutor a redução das despesas públicas exclusivamente com as políticas sociais, subordinando o volume de recursos a serem aplicados na área social ao “equilíbrio fiscal intergeracional”, isto é, que garanta a “sustentabilidade” da dívida pública. Assim os direitos sociais não serão mais garantidos pela constituição, pois estarão submetidos aos gastos financeiros do Estado. 

Por isso, é importante o alerta do economista Eduardo Moreira, quando diz que “enquanto 12 milhões de servidores públicos recebem por volta de R$ 700 bilhões anuais, para educar, cuidar, limpar, julgar, estudar, pesquisar, etc, como pais, mães, avós e avos que sustentam outros milhões de brasileiros, o governo paga R$ 400 bilhões de juros da dívida anualmente, em troca de trabalho nenhum”.

Quem são os parasitas? O rentismo, a especulação financeira que se reverte em dívida pública, impondo um estado de exceção permanente, destruindo as frágeis políticas sociais, em nome de um fundamentalismo neoliberal, em que o mercado é erguido acima de tudo e de todos. E, para isso, o ódio àqueles que são os executores das políticas sociais – os funcionários públicos -  passa a pautar não só os discursos de membros do governo, mas as suas ações, impondo à maioria da sociedade que necessita cada vez mais dos serviços públicos, a sua privação, aumentando ainda mais a precarização da vida dos mais pobres.  

*Graça Druck - Professora titular da Faculdade de Filosofia e C. Humanas/UFBA. Pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH/UFBA) e bolsista produtividade do CNPq, estudiosa da terceirização no setor público e privado. Autora do livro Terceirização (des)fordizando a fábrica (Boitempo/Edfuba) e co-organizadora do livro: A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização (Boitempo). Colaboradora do NEC/Faculdade de Economia/UFBA