debate sobre a redução dos salários dos servidores públicos em meio à pandemia desvia o foco em relação ao tema urgente, que é o combate direto à contaminação e suas repercussões econômicas atravessando a congestionada agenda legislativa. O Brasil perde tempo discutindo esse assunto, que precisa de PEC para reagir à crise e atrasa a implementação de soluções.

A proposta é injusta porque foca em um público heterogêneo, composto de pessoas de elevada, média e baixa renda. Na verdade, o esforço de financiamento deveria se concentrar nos grupos de elevada renda e que tradicionalmente se protegem em períodos de crise. Esse grupo inclui servidores públicos da elite do Estado brasileiro, mas não somente.

discussão é inadequada porque pressupõe que o governo deveria encontrar recursos para financiar suas ações no momento em que elas são aplicadas. É bem estabelecido que o bem-estar da sociedade aumenta quando o custo das recessões é distribuído ao longo de vários anos. E, para isso, as políticas devem ser financiadas, no curto prazo, com maior endividamento público. Um reflexo negativo da proposta está em promover uma redução adicional da já combalida demanda agregada, criando repercussões negativas para outros cidadãos e empresas.

Minha proposta alternativa, para financiar essas políticas, é a introdução permanente de novas alíquotas marginais de Imposto de Renda sobre faixas elevadas, fim da isenção sobre distribuição de lucros e dividendos, mudança nas regras tributárias de direitos de imagem e fundos fechados de investimento. A definição das alíquotas e das bases de tributação refletem a velocidade do ajuste e quem paga por ele, o que é uma decisão política.

A solução por esse mecanismo tributário apresenta vantagens expressivas em relação à redução dos salários dos servidores porque possui efeitos distributivos positivos. Aqueles que possuem maior capacidade econômica e têm mais condições de proteger suas rendas em períodos de crise vão contribuir de forma proporcional para o financiamento do governo. Desde o empresário que se beneficiou com linhas de crédito baratas e teve seus impostos adiados até o trabalhador que reduziu sua jornada, mas recebeu um complemento salarial do governo ou que teve um financiamento imobiliário renegociado em condições vantajosas. As classes mais elevadas que porventura tenham perdido renda na crise, são beneficiadas porque pagam o imposto de forma proporcional à menor renda auferida. Os mais pobres estariam liberados desse esforço.

Ao distribuir o financiamento ao longo do tempo, a proposta impõe um custo pequeno e diluído para a sociedade, pois as famílias preferem suavizar o consumo no tempo e evitam contrair a demanda agregada em um ambiente de elevada incerteza —que pode custar mais caro, gerando perdas de receitas, quebra de empresas, aumento do desemprego e maiores gastos fiscais compensatórios.

Há mérito no debate sobre a remuneração do funcionalismo público, mas não se pode esquecer que seus salários foram reduzidos na reforma da Previdência, pois foi o único segmento com aumento de tributação. Os vários aspectos da reforma administrativa, como convergência salarial, cumprimento efetivo do teto, alongamento de carreira e remuneração por resultados devem ser discutidos com a serenidade e o tempo que as crises não oferecem.

Manoel Pires
Economista, é coordenador do Observatório de Política Fiscal da FGV/Ibre e pesquisador da Faculdade de Economia da UnB; ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda