Tormenta. No coração e mente. Para falar de 20 de Novembro, Novembro Negro, Consciência Negra.

Contudo, muito menos tormenta de negros e negras que foram, à força, enfiados num tumbeiro, numa senzala, num pelourinho.  

Muito menos tormenta pela qual passa a juventude negra brasileira exterminada cotidianamente.

Muito menos tormenta da que sentem as mulheres negras historicamente vistas e tratadas como objeto de desejo, prazer, uso e abuso, como a “carne mais barata do mercado” pelos donos do poder.

O 20 de Novembro aglutina várias outras agendas dos movimentos negros no Brasil (como 31 de Março, 12 de Agosto, 25 de Julho), em sua árdua, cotidiana e necessária Marcha contra a intolerância, a exploração, a desigualdade, a desmistificação da democracia racial.

O 20 de Novembro também reverencia e reforça todas as lutas populares, maiores ou menores, dominadas ou vencedoras, que contribuíram para manter hasteada a bandeira da liberdade, dignidade, igualdade, como os levantes ou insurreições de indígenas, de negros escravizados ou libertos, de pequenos trabalhadores, de profissionais liberais; Revolta dos Búzios, dos Malês, de Palmares, da Chibata; Cabanagem, Sabinada, Balaiada, Farroupilha, Inconfidência; Quebras-quilos; Revoltas do Buzu; Movimentos estudantis; ...

Num país onde o patriarcado, o mandonismo, o patrimonialismo, o machismo são marcas estruturais de sua formação social, coisificando a classe trabalhadora, homens e mulheres, movimentos populares, em diversas épocas e matizes, protestos e balbúrdias, são importantes na construção, defesa, reconstrução permanente da democracia; são importantes para não naturalizarmos relações sociais preconceituosas, intolerantes, discriminatórias, racistas.

Por isto, a relevância quando a cultura popular se debruça sobre a história do Brasil e tece uma outra narrativa, como o samba enredo da Estação Primeira da Mangueira, campeã do Grupo Especial do Carnaval carioca em 2019: “Brasil, meu nego// Deixa eu te contar// A história que a história não conta// O avesso do mesmo lugar// Na luta é que a gente se encontra”.

O 20 de Novembro procura bradar que a rebeldia negra e a abolição não se devem à generosidade dos dominadores, mas à luta sangrenta, desumana, que os escravos travaram ao longo do processo pela libertação. Como diz o historiador José Honório Rodrigues: “Creio que temos todos momentos históricos de violência, consentimento e apatia, neste por decisão própria ou por necessidade de sobreviver, e intimidados pela exibição de força dos dominadores, não correu senão o sangue dos líderes, dos mártires, dos que doaram sua vida, crentes num ideal, certo ou errado, de melhoria do Brasil e de seu povo.// Os momentos históricos são variados, mas a crueza, o terrorismo e a tortura acompanharam sempre a história do Brasil.” (in História Viva, São Paulo: Global Universitária,1985, p.103).

Entre os muitos desafios do movimento sindical, sobretudo em conjunturas adversas como a atual (de aprofundamento do desmonte do serviço público, de desqualificação de seus trabalhadores e suas trabalhadoras, de aprofundamento das desigualdades sociais, de ataques a direitos democráticos, de retirada de direitos trabalhistas), é premente a pauta da Consciência Negra para sensibilizar, mobilizar, politizar a classe trabalhadora sobre as raízes do autoritarismo no Brasil; para dialogar com as juventudes que estão distantes temporalmente desses períodos mais cruentos de nossa história e da longa jornada do movimento sindical na conquista de sua autonomia e dos direitos trabalhistas. Ainda mais numa nação que não passou a limpo o processo histórico do Golpe de 1964 e da Ditadura Militar e muito menos ainda, da Escravidão e do Racismo.

Que o Marchar no 20 de Novembro e por todo o Novembro Negro signifique nos livrar de adversidades, angústias, aflições; signifique juntar forças, renascer em meio às lutas diárias contra o conservadorismo, o machismo, a homofobia, o racismo, a violência de toda a ordem, os retrocessos; signifique reforçarmos a solidariedade, pois, se essas formas de opressão nos envelhece e nos mata, precisamos construir a unidade necessária para defender nosso direito à vida, à dignidade, à justiça social; para defender um serviço de fato público, com qualidade, com inclusão social, sem racismo, para travarmos as batalhas necessárias em defesa da soberania nacional e da democracia.

Tormenta, no coração e mente? Chega de “Engenho da Dor”, como bem diz a canção de Josyara: “Não vamos voltar pras senzalas// Não vamos voltar pros porões// Não vamos voltar pros armários// Não vamos voltar pras prisões// Há de ver que a liberdade// Tá cravada no ser// Na alma”.

Viver é preciso, lutar é preciso, ser livre é preciso! Desatormentar é preciso! E, se preciso, faremos Palmares de novo!