Durante as negociações do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) dos empregados públicos da Conab, período 2017/2019, a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST) orientou a direção da Conab a exigir a supressão de diversas cláusulas sociais. Disseram que o ACT da Conab tinha "muita gordura".

Foi dessa maneira jocosa que o governo Temer se referiu aos direitos incluídos nos ACTs ao longo de muitos anos de lutas e negociações com a Conab, conduzidas pela Condsef e suas entidades filiadas, os sindicatos gerais de servidores e empregados públicos, entre eles o Sindsep-MT.

A construção da Conab é fruto da organização dos seus empregados nos sindicatos gerais

O nascimento da própria Conab se confunde com a luta dos sindicatos gerais. Em Brasília, o Sindsep-DF, primeiro sindicato geral do país, teve seu nascimento, em 1987, articulado nas salas das antigas associações dos servidores da Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal) e da Companhia Brasileira de Armazenamento (Cibrazem).

Dois anos depois, em outubro de 1989, foi eleito o governo Color, autodenominado "caçador de marajás", empenhado em privatizar estatais. Além da Cibrazem e Cobal também estava na sua lista da morte a Companhia de Financiamento da Produção (CFP).
Nosso grande companheiro Enos Barbosa, engenheiro da Conab e fundador do sindicato e da Condsef - juntamente com os companheiros Renato Pereira e José Fernandes de Farias -, recorda que o Sindsep-DF realizou um Seminário no final de 1989 que decidiu propor a fusão das três empresas com base na novíssima Constituição, Art. 23. "É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; inciso VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar".

Com foco no abastecimento alimentar, os servidores começaram a trabalhar dentro da Câmara dos Deputados com a proposta de fusão. Eles se contrapunham ao que se fazia no chamado Bolo de Noiva (o prédio do Anexo II do Itamaraty, sede da transição de governo). Ali se buscava um conchavo para criar uma Diretoria no Banco do Brasil que receberia um punhado de empregados “criteriosamente” selecionados das três empresas. Por óbvio seria a nata dos privilegiados.

Foram os trabalhadores que redigiram o texto que estabelece os objetivos da Conab e que foi aprovado como emenda à MP 151/90, convertida na Lei 8.029, de 12.04.1990 (Art. 19).

Demitidos do governo Collor e reintegrados no governo Lula

Entre 1990 e 1992 o governo Collor demitiu ilegalmente e/ou por motivação política cerca de 120 mil servidores públicos. Da Conab foram cerca de 3 mil. De imediato os sindicatos gerais – junto com a Condsef, fundada em agosto de 1990 – passaram a lutar por sua reintegração.

Cláudio Santana, então diretor do Sindsep-DF, articulou vigorosamente a participação do sindicato numa campanha nacional que, após o impeachment de Collor, alcançou uma primeira vitória em 1994, quando o governo Itamar Franco editou a MP 473, convertida na Lei 8.878/94 que permitiu a reversão das demissões.

A porta para a reintegração estava então aberta, mas foi travada pelo governo FHC. Somente em 2004, já no governo Lula, a Casa Civil da Presidência, com o então Ministro José Dirceu, consolidou a edição de normas legais que permitiram ao Estado brasileiro corrigir a injustiça cometida quase 15 anos antes. Da Conab voltaram cerca de 2 mil empregados, há quase 200 que infelizmente já faleceram e a luta continua para que sejam reintegrados os demais.

Independência sindical: a defesa das reivindicações nos Acordos Coletivos de Trabalho

Com esse histórico de defesa da Conab e dos seus empregados, com centenas deles em seus quadros associativos, nunca houve nenhuma dúvida de que os sindicatos gerais, coordenados pela Condsef, são os instrumentos para organizar a luta pelas reivindicações e impulsionar os Acordos Coletivos de Trabalho.

Também foi com toda naturalidade que as sucessivas Diretorias da Conab passaram a assinar os ACTs incluindo uma cláusula que afirmava "a Conab reconhece a representatividade da Condsef/Entidades Filiadas e Comissão de Negociação, eleita na Plenária Geral Nacional na Base dos Empregados da Conab".

Foi organizando-se nessas entidades sindicais, e apoiando-se na sua ação, que os empregados públicos da Conab puderam, ao longo dos anos, inserir direitos e conquistas nos seus ACTs que, em 2018, a SEST veio a considerar como tendo "muita gordura".

Mobilizações e conquistas

Os oito anos de governo FHC (1994-2002), todos sabem, foram de arrocho salarial e enfraquecimento dos serviços públicos e empresas estatais. Com pouquíssimos concursos, o número de servidores federais, em todo o Brasil, caiu de 940 mil, em 1994, para 740 mil no início de 2003. 

A posse de Lula, em janeiro de 2003, abriu um período de grandes mobilizações, greves e negociações salariais dos servidores e empregados públicos, período durante o qual voltaram a ser realizados concursos públicos. Na administração direta o número de servidores aumentou para 1,2 milhões, em 2010. Na Conab, no momento da fusão das três empresas (1990) o quadro de pessoal era de 5.400. Ele foi brutalmente reduzido pelas demissões caindo para 2.500 e só começou a ser recomposto em 2006, quando a posse de novos concursados e o início da volta dos anistiados trouxe a quantidade de empregados para 4.600. Em 2016 o número de empregados havia voltado ao patamar de 1990, chegando a 5.100.

As conquistas obtidas nesse período foram resultados de muita luta e mobilização, com deliberações adotadas em assembleias maciças em todo o país e negociações acompanhadas de perto pela categoria. Do ponto de vista institucional, a Conab se afirmava como empresa de grande utilidade pública. Ao lado da assistência e apoio ao agronegócio, a Companhia desenvolveu programas que, de um lado, garantiam preços e mercado para a agricultura familiar e, de outro, asseguravam distribuição de alimentos a trabalhadores em situação vulnerável, por intermédio das prefeituras.

São programas como o de Aquisição de Alimentos (PAA); Garantia de Preços para a Agricultura Familiar; Garantia de preços mínimos para os produtos da sociobiodiversidade; Venda Balcão; Doação de Alimentos; Distribuição de Cestas Básicas; Atendimento Emergencial; Ajuda Humanitária Internacional, além da armazenagem.

Para citar um exemplo, em 2012, o Programa de Aquisição de Alimentos da agricultura familiar, com doação simultânea, operou R$ 840 milhões, beneficiando 181 mil agricultores em 1.180 municípios. Esses números, de apenas um dos programas da Conab, são uma demonstração da capilaridade da sua atuação, fundamental para impulsionar a economia dos pequenos municípios e reforçar a coesão social.

Imposto sindical: o ataque ao sindicalismo independente

Criado na década de 1930, o imposto sindical era um dos pilares do sindicalismo atrelado ao estado e subordinado aos patrões e aos governos. O outro pilar é a "unicidade sindical" com a obrigatoriedade de registro sindical no Ministério do Trabalho. Com a grande maioria das entidades filiadas pertencendo à base da CUT, a Condsef sempre se colocou contra o imposto sindical. Sua sustentação financeira é garantida pela mensalidade paga espontaneamente pelos filiados aos sindicatos. Em geral, o imposto compulsoriamente recebido pelas filiadas à Condsef era devolvido aos trabalhadores da Conab.

Mas a cobiça por esse imposto sempre gerou muitas "disputas de base" e não foi diferente na Conab. A CUT e a Condsef também defendem a liberdade e autonomia sindical, o sindicato livre da tutela do estado com os trabalhadores decidindo soberana e democraticamente a melhor forma de se organizarem. Por isso mesmo, boa parte das entidades nacionais de servidores, inclusive a Condsef, lutava contra as imposições do Ministério do Trabalho e não possuía registro sindical. Os sindicatos de base, ao contrário, eram obrigados a obter o registro desde sua fundação.

Em plena negociação do ACT 2009/2011, ignorando que os sindicatos gerais filiados à Condsef possuem o registro e a carta sindical, um setor encastelado na cúpula da Companhia, passou a hostilizar a Condsef - desenterrando um ataque judicial feito ainda pelo governo FHC - e a defender a criação de um "sindicato próprio".

Sabendo que os empregados sempre se organizaram nos sindicatos gerais a campanha do "sindicato próprio" defendia explicitamente que é o Estado quem decide qual deve ser o sindicato da categoria porque seria uma questão legal que “independe do desejo do empregado”. Não é esta uma posição totalmente anti-democrática?

Surpreendentemente, a direção da Conab da época passou a militar politicamente em favor do que seria esse "novo" sindicato, baseado na tutela ministerial e na cobrança do imposto sindical. Assim, a própria Conab – interferindo de maneira ilegítima – politizou ao extremo a questão da representação sindical dos seus empregados e a judicializou. O ACT 2009-2011 foi o último coordenado pela Condsef e assinado pelos sindicatos gerais.

A criação da Fenadsef e a retomada das negociações pelos sindicatos gerais

Para suprir a ausência do registro sindical da Condsef os sindicatos gerais decidiram criar a Fenadsef. Após longo processo para vencer entraves burocráticos – que existem em virtude da tutela estatal – o registro sindical da Fenadsef foi publicado no Diário Oficial de 6 de setembro de 2016.

Nesse registro consta explicitamente que a Fenadsef representa sindicatos que congregam "todos os servidores públicos e trabalhadores vinculados à administração direta, indireta, fundacional e autárquica dos poderes da União e empresas públicas federais, sejam eles regidos pelo RJU, CLT ou qualquer outro vínculo jurídico que venha a ser criado".

Ainda assim a direção da Conab recusava-se a negociar com a Fenadsef obrigando a seguidas ações judiciais. A Fenadsef voltou à negociação por ocasião do ACT 2017/2019 mas com base numa liminar, situação jurídica naturalmente precária. Foi dificílima a negociação desse ACT 2017/2019, só concluída após pedido de conciliação no Tribunal Superior do Trabalho. Do início ao fim se mostraram a força e a penetração dos sindicatos gerais.

A minuta inicial do ACT foi aprovada em assembleias de base em 18 estados e num Encontro Nacional. Por ampla maioria ou por unanimidade, essas assembleias ratificaram a Fenadsef e sindicatos gerais como os legítimos representantes da categoria. Enquanto isso a diretoria da Conab – atuando politicamente contra a independência sindical – articulava-se para negociar com a Asnab, associação de empregados que não tem caráter sindical. Para dar uma capa de legalidade foi chamada a participar a CNTC-Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio a quem foram destinados alguns milhões de reais em imposto sindical entre os anos de 2014 e 2016.

A esse respeito é ilustrativo o ocorrido na reta final da negociação do ACT 2017/2019 quando já não existia mais o imposto sindical. A proposta final, acordada no TST, foi levada pela Fenadsef a assembleias de 21 estados reunindo 903 trabalhadores. A categoria aprovou por amplíssima margem a orientação da Fenadsef: votar a favor do acordo econômico, mas contra um item político que previa a introdução de uma cláusula que poderia se constituir num novo tipo de imposto sindical. 

Pois a CNTC, sob o olhar cúmplice da diretoria da Conab, fez tudo o que pode para pressionar o TST a manter essa cláusula que restabelecia o imposto sindical, mesmo contra a vontade da categoria. Não tiveram sucesso porque a Fenadsef defendeu até o fim o mandato dado pelos empregados expresso democraticamente nas assembleias. Agora, em virtude desse fato, a direção da Conab está acusando a Fenadsef de "provocar o dissenso". Cada um que tire suas próprias conclusões.

A situação atual

Para o ACT 2019/2020 a Conab novamente bloqueou a participação da Fenadsef na negociação. Ao longo do tempo a Companhia havia regredido para o esdrúxulo argumento de que a atividade predominante da empresa seria o comércio e, assim, seus empregados seriam comerciários – era a "justificativa" para o chamado à CNTC para assinar os ACTs.

A interferência da Conab na organização dos trabalhadores é inconcebível. Esse deslize para "comerciários" nega o papel social da Conab como instituição de Estado, essencial para a implementação de políticas sociais. E, ademais de sua história vinculada à própria criação e defesa da Conab, os sindicatos gerais têm centenas de filiados entre os empregados da companhia e se agrupam na Fenadsef cujo registro sindical é explicito na representação de empregados públicos. Já a CNTC não tem nada disso – e nem poderia!

Fácil compreender porque, em 22.05.19, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região decidiu por cinco votos a zero que "os empregados públicos da Conab não são comerciários por não se envolver a estatal em comércio atacadista ou varejista mas em regulação de mercado e estoques estratégicos de produtos alimentares (...) como atividade típica de Estado, sendo assim representados pelas entidades sindicais representativas dos trabalhadores no serviço público federal e, no âmbito superior, pela federação sindical pertinente", no caso a Fenadsef.

Em vez de conformar-se a essa decisão e suspender seus ataques políticos contra a Fenadsef e sindicatos gerais, a Conab recorreu ao TST e, agora, negocia o ACT 2019/2020 com a Asnab – que não é entidade sindical – com a CNTC dando um frágil verniz legal.

Para isso, a Conab teve que ignorar que, uma vez mais, assembleias sindicais dos seus empregados de todo o país referendaram a Fenadsef como sua entidade representativa. O mesmo não ocorreu com a CNTC pois foi a Asnab que realizou as assembleias mas não divulgou o número de presentes nem o resultado das votações. Muitas dessas assembleias, como a do Mato Grosso, rejeitaram a CNTC por ampla maioria ou até por unanimidade.]

A busca pela unidade da categoria com base na defesa das reivindicações

Neste ponto é importante lembrar que a Condsef/Fenadsef e os sindicatos gerais buscam, o tempo todo, construir a unidade da categoria. Em nenhum momento defendemos a exclusão da Asnab ou mesmo da CNTC da mesa de negociação. Ao contrário, a Fenadsef sempre buscou uma composição com a diretoria da Asnab que, infelizmente, a rejeitou. Neste momento, estamos numa nova situação, com a dificuldade adicional imposta pela pandemia do coronavírus.

Em si mesma a doença é um acidente, mas suas trágicas e mortíferas consequências em todo o mundo têm responsáveis bem identificados. São os governos que, sistematicamente, vieram destruindo os serviços públicos, em particular a saúde, e desmontando as políticas assistenciais em nome da "austeridade fiscal". E aí a defesa da Conab ocupa um lugar central, justamente pelo papel que, durante anos, a Companhia veio desempenhando em favor da segurança alimentar.

Não é segredo para ninguém: o governo Bolsonaro se nega a combater o coronavírus e aposta no caos para impor seus delírios antidemocráticos. Sustentado pelo Congresso e demais instituições, ele age para retirar direitos dos trabalhadores e continuar a destruir os serviços públicos, inclusive durante a pandemia!

Ele editou as MPs 927 e 936, que atacam brutalmente os empregos e salários, dando um leque de benefícios aos patrões. Em seguida, negociou com o Senado a aprovação do PLP 39/2020 (que substituiu PLP 149) que prevê congelamento de salários e progressões dos servidores, além de proibição de concursos públicos. Justamente quando os serviços são mais demandados e mais necessários do que nunca.

Na Conab, por exemplo, muitas pessoas estão sendo colocadas compulsoriamente em férias com base na MP 927. Como diz um texto aprovado pela Executiva da CUT, já passou da hora de colocar um fim a esse governo! O ACT 2019/2020 está num impasse. As reuniões de negociação ocorreram sem a participação da Fenadsef e da Comissão de Empregados mandatada pelas assembleias de base dos sindicatos gerais. Solicitamos a intermediação do TST e lá também a Conab impediu a presença da Fenadsef.
A SEST insiste em desmantelar o Serviço de Assistência à Saúde (SAS) dos trabalhadores e não há perspectiva de solução a curto prazo.

Aqui é importante lembrar que foi em 1987, no primeiro acordo assinado pela antiga COBAL com o sindicato geral do DF que os empregados garantiram a primeira versão do SAS. Depois disso, os demais sindicatos gerais que passaram a se constituir nos estados também se incluíram nas negociações até que o governo FHC baixou uma proibição, em 1998. No governo Lula a Condsef voltou a coordenar os sindicatos gerais na negociação dos ACTs da Conab, até a contestação de 2011, citada acima.

Mas essa demora para concluir as negociações do ACT 2019/2020, cuja data-base é 1º de setembro de 2019 – há oito meses! – nos trouxe a uma situação ainda mais difícil! Tudo o que estamos vivendo reforça ainda mais a importância de os trabalhadores da Conab avançarem na sua unidade, cerrando fileiras em torno dos seus sindicatos gerais, filiando-se, participando de suas atividades – momentaneamente por meios virtuais e/ou em reuniões respeitando as consignas de segurança sanitária.

Filie-se ao SINDSEP-MT! Confira a íntegra do artigo publicada no jornal O Compromisso do Sindsep-MT

* Fernando Pivetta é empregado da Conab-MT, Edison Cardoni é Diretor da Fenadsef e Joalita Queiróz é empregada da Conab-DF